quarta-feira, 4 de novembro de 2009

DIREITO CIVIL II aulas – UNEB – 3° período

I. TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES
Prof. Antonio de Pádua Santos Salgado
01. Considerações Gerais
O Direito pode ser dividido em dois grandes ramos:
1 Direitos não patrimoniais. Ex: direitos da personalidade, direito à vida, à honra.
2 Direitos patrimoniais são os direitos que envolvem valores econômicos:
a. Direito das obrigações – trata de direitos pessoais;
b. Direito das coisas – trata de direitos reais.
Direito pessoal – trata das relações harmônicas, sob pena de conflito, entre as pessoas para a satisfação dos seus interesses e necessidades individuais, trata do direito do credor contra o devedor, tendo por objeto uma determinada prestação. Forma-se uma relação de crédito e débito entre as pessoas. As relações obrigacionais acontecem a todo instante e são o suporte econômico da sociedade moderna de consumo, especialmente o contrato de compra e venda.
Direito real – trata do direito do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos. Cria um vínculo entre a pessoa e a coisa (direito de propriedade), e esse vínculo dá ao titular uma exclusividade em relação ao bem (erga omnes).
PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE OS DIREITOS PESSOAIS E OS DIREITOS REAIS
1 Quanto à formação
Direitos pessoais - não resultam da lei, nascem de contratos entre pessoas. Há 16 contratos nominados pela lei, entretanto, é possível a criação de contratos inominados, pois, para exsurgir um direito pessoal, basta que as partes sejam capazes e o objeto seja lícito. Segue o princípio do numerus apertus.
Direitos reais - têm origem na lei, não podem ser criados por contrato entre duas pessoas. Seguem o princípio do numerus clausus.
2 Quanto ao objeto
Direito pessoal - o objeto é a prestação.
Direito real - o objeto é sempre um bem corpóreo.
3 Quanto aos sujeitos
Direito pessoal - os sujeitos são o credor, sujeito ativo, e o devedor, sujeito passivo.
Direitos reais - costuma-se dizer que o direito real somente possui o sujeito ativo porque esse é ligado à coisa (de um lado o titular e do outro lado a coisa). A explicação, entretanto, é didática.
Atenção: Nos direitos reais, em princípio, o sujeito passivo é indeterminado porque todas as pessoas do universo devem abster-se de molestar o titular, são direitos oponíveis erga omnes. No instante em que alguém viola o direito do titular, o sujeito passivo se define.
4 Quanto à duração
Direitos pessoais - são transitórios, pois nascem, duram um certo tempo e se extinguem.
Direitos reais - são perpétuos, significa dizer que não se extinguem pelo não uso, entretanto, extinguem-se pelas causas expressas em lei.

02. Conceito de Obrigação
Obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor o direito de exigir do devedor o cumprimento de uma prestação econômica. Se há um direito pessoal, é porque duas pessoas se obrigaram uma com a outra.
Toda obrigação precisa ter um valor econômico para viabilizar a responsabilidade patrimonial do inadimplente se não for espontaneamente cumprida.

03. Fontes das Obrigações
A obrigação resulta:
1. da vontade do Estado, por intermédio da lei, a exemplo da obrigação de prestar alimentos;
2. da vontade humana, por meio:
a) dos contratos – é a convenção estabelecida entre duas ou mais pessoas, em virtude do qual uma delas obriga a outra a dar, fazer, ou abster-se de algo. É a principal e maior fonte de obrigação, através dos contratos as partes assumem obrigações;
b) das declarações unilaterais da vontade – são obrigações emanadas de manifestações de vontade de uma parte e não discriminam desde logo a pessoa do credor, que só surgirá após a constituição da obrigação, como a promessa de recompensa, a exemplo do indivíduo que perdeu o cachorro e promete uma recompensa a quem encontrá-lo;
c) dos atos ilícitos –quando alguém produz dano em outrem está obrigado a pagar uma indenização civil, com o objetivo de reparar o prejuízo causado.
Para alguns doutrinadores a única fonte de obrigação é a lei, que pode ser:
a) a fonte imediata (direta) da obrigação, quando determina a obrigação a exemplo da obrigação alimentar,
b) a fonte mediata (indireta) da obrigação, quando estabelece as diretrizes e regras para as relações entre as pessoas.

04. Elementos Constitutivos da Obrigação
1. Elemento subjetivo
Refere-se aos sujeitos da obrigação, o credor (sujeito ativo) e devedor (sujeito passivo).
Os sujeitos podem ser: pessoas naturais ou jurídicas, devendo ser determinados ou, ao menos, determináveis. Não se considera, como capaz de gerar uma obrigação, um contrato em que os sujeitos sejam indeterminados.
2. Elemento objetivo
Toda obrigação tem o seu objeto, que é sempre uma conduta humana:
a) o objeto imediato da obrigação é a prestação;
b) o objeto mediato da obrigação é aquele que se descobre com a pergunta o quê?.

3. Vínculo jurídico
É aquele que nasce das diversas fontes e que liga o credor ao devedor e vice-versa.
05. Obrigação e Responsabilidade
A obrigação difere da responsabilidade.
A obrigação, quando cumprida, extingue-se. Não cumprida, gera a responsabilidade por perdas e danos (artigo 389 do Código Civil).
Há, entretanto, dois casos de obrigação não cumprida e que não geram responsabilidade:
a) dívidas prescritas;
b) dívidas de jogo (não podem ser cobradas).

06. Classificação das Obrigações
1. Quanto ao objeto
É sempre uma conduta humana – dar, fazer ou não fazer alguma coisa – e se chama prestação:
a) positivas (dar e fazer);
b) negativa (não fazer).

2. Quanto aos elementos constitutivos
As obrigações podem ser:
a) simples - quando tem um único sujeito ativo, um único sujeito passivo e um só objeto.
b) compostas ou complexas – quando tem mais de um de qualquer desses elementos : sujeito ativo, sujeito passivo ou objeto.

2.1. Compostas pela multiplicidade de objetos
Podem ser:
a) cumulativas ou conjuntivas, quando devem ser entregues mais de um objeto, nelas os vários objetos estão ligado pela conjunção e. Ex. o devedor obriga-se a entregar ao credor um automóvel e uma TV;
b) alternativas ou disjuntivas, quando deve ser entregue um objeto ou outro, ambos já determinados, nelas os vários objetos estão ligados pela disjuntiva ou. Ex. o devedor obriga-se a entregar ao credor um automóvel ou uma casa;
c) facultativas quando o devedor tem a faculdade de entregar o objeto principal ou substituí-lo por outro. Se o objeto principal perecer sem culpa do devedor, resolve-se a obrigação e o devedor não estará obrigado a entregar o segundo objeto, porque esse consistia apenas numa faculdade prevista pelo contrato. Para o credor, que só pode exigir o objeto principal, a obrigação continua sendo simples.

Nas obrigações alternativas ou disjuntivas o pacto firmado entre as partes determinará a quem cabe a escolha do objeto da prestação, se o contrato for omisso a escolha caberá ao devedor, este porém, não poderá obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra.
Se todas as prestações se tornarem impossíveis de serem cumpridas, sem culpa do devedor, a obrigação será extinta (art. 256). Se a impossibilidade total ocorrer por culpa do devedor a quem cabia a escolha, este ficará obrigado a pagar o valor da prestação que por último se impossibilitou, mais perdas e danos. Se a escolha cabia ao credor, este poderá exigir o valor de qualquer das duas, mais perdas e danos.
2.2. Compostas pela multiplicidade de sujeitos
Podem ser:
a) Divisíveis - quando, havendo vários credores ou vários devedores, couber o fracionamento da prestação ou do próprio objeto da prestação entre eles (art. 257, CC).
b) Indivisíveis - quando, havendo vários credores ou vários devedores, o objeto da prestação não pode ser dividido entre eles.
c) Solidárias - quando cada devedor responde sozinho pela dívida integral. Deve existir alguma cláusula contratual ou um dispositivo de lei que disponha ser a obrigação solidária.
OBRIGAÇÃO INDIVISÍVEL
Apesar de cada devedor ser obrigado a cumprir sua quota-parte, se os demais não cumprirem as suas, ele será obrigado a cumprir sozinho a obrigação integral, isso só ocorrerá porque o objeto é indivisível. Ex: quem deve um cavalo não pode dar o animal em partes.
Contudo, o devedor que pagar a dívida toda assume o direito de credor em relação aos outros coobrigados.
Converte-se em perdas e danos se o objeto perecer por culpa dos devedores, passando a ser, portanto, divisível. Se todos os devedores agiram com culpa, responderão todos por partes iguais. Se a culpa for de apenas um, só ele responderá os outros ficarão exonerados.
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
Há solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito ou com responsabilidade pela dívida toda, como se fosse o único (art. 264).
O devedor poderá ser obrigado a cumprir sozinho a obrigação integral porque cada devedor responde pela dívida inteira.
Se a obrigação se converter em perdas e danos, continuará sendo solidária porque a solidariedade não depende da indivisibilidade ou não do objeto.
Elementos da obrigação solidária:
a) multiplicidade de credores ou de devedores, ou ainda, de uns e de outros;
b) unidade de prestação;
c) co-responsabilidade dos interessados.

A solidariedade pode ser:
a) Solidariedade ativa – multiplicidade de credores (vide arts. 267 a 274);
b) Solidariedade passiva – multiplicidade de devedores (vide arts. 275 a 285).
SOLIDARIEDADE ATIVA
Configura-se pela presença de vários credores, chamados concredores, todos com o mesmo direito de exigir integralmente a dívida ao devedor comum (267).
A solidariedade ativa é rara porque na sua principal característica está sua principal inconveniência (269). Assim, o devedor não precisa pagar a todos os concredores juntos, como na obrigação indivisível (260, I). Pagando apenas a um dos credores solidários, mesmo sem autorização dos demais, o devedor se desobriga, e se este credor for desonesto ou incompetente, e retiver ou perder a quota dos demais, os concredores nada podem reclamar do devedor, terão sim que reclamar daquele que embolsou o pagamento.
Mas caso algum dos concredores já esteja executando judicialmente o devedor, o pagamento deverá ser feito ao mesmo (268), o que se chama de prevenção, ficando tal credor prevento para receber o pagamento com prioridade em nome de todos os concredores.
Outro inconveniente é que se um dos credores perdoar a dívida, o devedor fica liberado, e os demais concredores terão que exigir sua parte daquele que perdoou (272).
Como se vê, na solidariedade ativa cada credor fica sujeito à honestidade dos outros concredores. Por estes inconvenientes a solidariedade ativa é rara, afinal não interessa ao credor.
SOLIDARIEDADE PASSIVA
Ocorre a solidariedade passiva quando mais de um devedor, chamado coobrigado, com seu patrimônio (391), se obriga ao pagamento da dívida toda (275). Assim o credor poderá processar e exigir de um ou de todos os devedores o pagamento integral, mesmo que a obrigação seja divisível.
Esta obrigação protege o crédito, reforça o vínculo, facilita a cobrança e aumenta a chance de pagamento, pois o credor terá várias pessoas para cobrar a dívida toda.
E quanto mais se protege o credor, mais as pessoas emprestam dinheiro. Proteger o crédito é estimular o desenvolvimento sócio-econômico.
Aquele devedor que pagar integralmente a dívida, terá direito de regresso contra os demais coobrigados (283).
Na solidariedade passiva não se aplica o benefício de divisão e nem o benefício de ordem.
Benefício de divisão - o devedor pode exigir a citação de todos os coobrigados no processo para juntos se defenderem. Isto é ruim para o credor porque atrasa o processo, por isso a solidariedade passiva não concede tal benefício aos co-devedores.
Benefício de ordem - o coobrigado tem o direito de ver executado primeiro os bens do devedor principal (ex: fiança, 827). Mas o fiador pode renunciar ao benefício de ordem e se equiparar ao devedor solidário (828, II). O avalista nunca tem benefício de ordem, sempre é devedor solidário, por isso se algum amigo lhe pedir para ser avalista não aceite, mas se ele insistir seja seu fiador com benefício de ordem, mas jamais fiador-solidário ou avalista.
Fiança e aval são exemplos de solidariedade passiva decorrente de acordo de vontades. Então a Universidade quando financia o curso de um estudante, geralmente exige um fiador ou um avalista (897), de modo que se o devedor não pagar a dívida no vencimento, o credor irá processar o devedor, o fiador ou o avalista.
PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE A OBRIGAÇÃO INDIVISÍVEL E A OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
As obrigações solidárias e indivisíveis têm consequências práticas semelhantes, mas são obrigações diferentes.
Vimos que numa obrigação indivisível concorrem vários devedores, todos estão obrigados pela dívida toda, como se existisse uma solidariedade entre eles (259). Assim, se várias pessoas devem coisa indivisível, a obrigação é também solidária. Mas pode haver obrigação solidária mesmo de coisa divisível devida por várias pessoas.
a) na obrigação indivisível é impossível pagar por partes, pois resulta da natureza da prestação. Na obrigação solidária até poderia ser paga por partes, mas por força de contrato não pode, tratando-se de uma garantia para favorecer o credor.
b) na solidariedade cada devedor deve tudo, na indivisibilidade cada devedor só deve uma parte, mas tem que pagar tudo diante da natureza da prestação. Pelas suas características a solidariedade não se presume, decorre de contrato ou da lei (art. 265).
c) pode haver obrigação solidária de coisa divisível (ex: dinheiro), embora todos os devedores respondam integralmente pela dívida, mesmo sendo coisa divisível. Tal solidariedade nas coisas divisíveis serve para reforçar o vínculo e facilitar a cobrança pelo credor.
d) o devedor a vários credores de coisa indivisível precisa pagar a todos os credores juntos (art.260,I), mas o devedor a vários credores solidários se desobriga pagando a qualquer deles (art. 269).
e) se a coisa devida em obrigação solidária perece, converte-se em perdas e danos, torna-se divisível, mas permanece a solidariedade (271 e 279). Se a coisa devida em obrigação indivisível perece, converte-se em perdas e danos e os co-devedores deixam de ser responsáveis pelo todo (263).
f) o devedor de obrigação solidária que paga sozinho a dívida ao credor, vai cobrar dos demais co-devedores a quota de cada um, sem solidariedade que não se presume (265 e 283). Então A, B e C devem solidariamente dinheiro a D. Se A pagar a dívida toda ao credor, A vai cobrar a quota de B e C sem solidariedade entre B e C.
3. Modalidades de obrigações segundo a doutrina:
a) Obrigações de meio - quando o devedor não se responsabiliza pelo resultado e se obriga apenas a empregar todos os meios ao seu alcance para consegui-lo. Ex: obrigações dos advogados, dos médicos. Se não alcançar o resultado, mas for diligente nos meios, o devedor não será considerado inadimplente.
b) Obrigação de resultado - quando o devedor se obriga a obter o resultado. Se o resultado não for obtido, o devedor será considerado inadimplente. Exemplo: médicos que fazem cirurgia plástica para fins estéticos; a não ser que seja para correção de doença.
c) Obrigação principal e acessória - principal é a obrigação autônoma, que independe de qualquer outra, tem vida própria, já a obrigação acessória depende da principal, agregando-se a ela. Uma compra e venda, um empréstimo e uma locação são contratos que geram obrigações autônomas. A fiança, a hipoteca e o penhor produzem obrigações acessórias que vão se agregar a uma obrigação principal, a exemplo de uma locação.
d) Obrigações líquidas e ilíquidas - líquida é a obrigação certa e determinada, ou seja, certa quanto à sua existência e determinada quanto à sua qualidade, quantidade, natureza e objeto. Em outras palavras, obrigação líquida é aquele cuja existência é certa e cujo valor é conhecido. Convém salientar que uma ação de execução só é possível quando a obrigação é líquida pois, não se pode executar obrigação ilíquida (947).
e) Obrigações civis - aquelas cujo cumprimento pode ser exigido porque encontra amparo no direito positivo. O ordenamento jurídico ampara o credor.
f) Obrigações naturais – correspondem a uma obrigação moral, a exemplo da obrigação de dar gorjeta, de pagar dívidas prescritas, dívidas de jogo e os juros não convencionados. Não podem ser cobradas em Juízo, contudo o pagamento de obrigação natural é pagamento verdadeiro e o credor pode retê-lo. Então se alguém paga dívida prescrita e depois se arrepende não pode pedir o dinheiro de volta, pois o credor tem direito à retenção do pagamento (882), vai existir para o direito, ensejando ao credor a soluti retentio. Não se deve confundir com obrigação inexistente: se alguém paga dívida inexistente o credor não pode ficar com o dinheiro, e o suposto devedor terá direito à repetitio indebiti, que significa a devolução do indébito; em direito “repetir” significa “devolver”, e “indébito” é o que não é devido.
g) Obrigações de execução instantânea - as contraídas para serem cumpridas instantaneamente. Ex. compra e venda à vista.
h) Obrigações de execução diferida - aquelas que devem ser cumpridas em momento futuro. É diferida porque transferida para data futura.
i) Obrigações de prestações sucessivas - são cumpridas em vários atos, como ocorre com as vendas a prazo.
j) Obrigações puras e simples - são aquelas sob as quais não pesa nenhum ônus. Ex. doação.
k) Obrigações condicionais - aquelas cuja eficácia está subordinada a um evento futuro e incerto, geralmente aparecem com a partícula se. Ex: o alfaiate compra tecido da fábrica e combina só pagar o preço se vender as roupas; vender as roupas não é uma certeza, pode ou não acontecer.
l) Obrigações a termo - aquelas cuja eficácia está subordinada a um evento futuro e certo. Ex: pagarei o produto em trinta dias; trinta dias são o prazo e o prazo é um evento certo, só depende do implacável passar do tempo.
m) Obrigações híbridas - as que constituem um misto de direito real e de direito pessoal. Ex. a obrigação propter rem, que recai sobre uma pessoa em razão de sua condição de titular de um determinado direito real.
n) Obrigação modal ou com encargo – as que estabelecem um modo, encargo, ou ônus imposta ao beneficiário de uma liberalidade como uma doação ou herança. Então se pode doar uma fazenda com o ônus de construir uma escola para as crianças carentes da região. Se o encargo for de interesse público, como o do exemplo, o Promotor de Justiça fiscalizará sua execução, este é um dos poucos casos de participação do Ministério Público no direito patrimonial, afinal o Ministério é público e o Direito Civil é privado. Se o encargo for absurdo o Juiz pode interferir na obrigação privada para modificá-la.

07. OBRIGAÇÕES EM GERAL
1. Obrigação de Dar Coisa Certa
Na obrigação de dar coisa certa, o credor não pode ser compelido a aceitar coisa diversa, ainda que mais valiosa. A dação em pagamento (dar coisa diversa) depende da concordância do credor e extingue a obrigação (artigo 313 do Código Civil).
Perecimento e deterioração da coisa
Prevalece a regra res perit domino, ou seja, a coisa perece para o dono. Portanto, se a coisa desapareceu antes da alienação, quem perde é o alienante.
Perecimento - havendo a perda total da coisa, deve-se verificar se houve ou não culpa do devedor. Não havendo a culpa, resolve-se a obrigação, sem qualquer responsabilidade. Se o perecimento ocorreu por culpa do devedor, haverá obrigação de pagar o equivalente em dinheiro – mais perdas e danos –, desde que provado o prejuízo.
Deterioração - é a perda parcial da coisa; também nesse caso deve-se observar se houve ou não a culpa do devedor. Não havendo culpa, o credor poderá optar por desfazer o negócio, ou ficar com a coisa mediante abatimento do preço avençado. Se houve culpa do devedor, as opções continuam as mesmas, acrescidas do pedido de perdas e danos, desde que provado o prejuízo.
2. Obrigação de Dar Coisa Incerta
Há coisa incerta quando alguém se obriga a entregar coisa sem determinar sua qualidade, porém deve estar determinado o gênero e a quantidade (artigo 243 do Código Civil). Ex: entregar cem sacos de café, dez cabeças de gado, um carro popular. Faltando a determinação do gênero ou da quantidade, não existe obrigação. A coisa incerta não deve ser entendida como coisa totalmente indeterminada.
A escolha da qualidade caberá ao devedor, se o contrário não for convencionado. Pode-se, no contrato, convencionar que a escolha caberá ao comprador ou a um terceiro. Quando a escolha couber ao devedor, ele não poderá escolher a pior qualidade, entretanto, também não será obrigado a entregar a melhor qualidade. O legislador optou pelo princípio da qualidade média nos casos de escolha pelo devedor.
Se existirem apenas duas qualidades, e a escolha couber ao devedor, o critério lógico seria poder escolher qualquer delas, entretanto a lei é omissa nesse caso.
Feita a escolha, a coisa não é mais incerta. A obrigação de dar coisa incerta passa a reger-se pelas regras da obrigação de dar coisa certa. A escolha, depois de manifestada, exteriorizada, chama-se concentração (é uma denominação doutrinária).
Antes da escolha o devedor não poderá alegar perda ou deterioração por caso fortuito ou força maior (artigo 246 do Código Civil), porque antes da escolha não existe coisa certa. Tem-se apenas o gênero e esse nunca perece (genus nunquam perit).
3. Obrigação de Fazer
O objeto constitui um ato ou serviço do devedor.
Três são as espécies de obrigação de fazer:
a) Infungível ou insubstituível (personalíssima ou intuito personae);
b) fungível (impessoal) – cabe execução por um terceiro;
c) emissão de declaração de vontade.

3.1. Obrigação de fazer infungível
Obrigação infungível é aquela que não pode ser substituída por outra de mesmo gênero, quantidade ou qualidade.
A obrigação sempre será infungível quando a pessoa for contratada em razão de suas condições pessoais, de suas qualidades técnicas ou artísticas. O credor ainda pode dispor, nesse tipo de contrato, que somente aquele devedor poderá cumprir a obrigação.
Então, pode-se dizer que há duas hipóteses de obrigações de fazer infungíveis:
a) quando é evidente que a pessoa foi contratada em razão de suas qualidades pessoais (exemplo: contrato de show com um artista conhecido);
b) quando houver cláusula expressa, no contrato, dizendo que somente o devedor poderá cumprir a obrigação.
As obrigações infungíveis algumas vezes podem não ser cumpridas, ou por impossibilidade ou por recusa.
Impossibilidade – quando ocorre sem culpa do devedor, resolve-se a obrigação; se o devedor der causa a essa impossibilidade, responderá por perdas e danos.
Recusa - o devedor não cumpre a obrigação porque não quer. Será sempre culposa e, por este motivo, o devedor responderá por perdas e danos. Às vezes o credor não exige indenização, querendo que o devedor cumpra a obrigação.
3.2. Obrigação de fazer fungível
A obrigação será fungível sempre que o devedor ou a coisa puder ser substituída, por não haver necessidade de determinadas qualidades para o cumprimento da obrigação.
4. Obrigação de Não Fazer
O objeto consiste em uma abstenção, uma ausência de comportamento. Quando a parte que se comprometeu a não fazer alguma coisa o faz, torna-se inadimplente (art.390, CC) Exemplos: o engenheiro químico que se obriga a não revelar a fórmula do perfume da fábrica onde trabalha; o condômino que se obriga a não criar cachorro no apartamento onde reside.
Pode haver limite temporal para a obrigação
O contratante lesado pode exigir o desfazimento do que foi feito, se viável, sob pena de desfazer-se às suas custas, mais perdas e danos. Se não viável, cabe perdas e danos.
Extingue-se a obrigação do devedor se vier a ocorrer impossibilidade de cumpri-la. Como exemplo: se uma lei sobrevier ao contrato obrigando a fazer o que o devedor se obrigou a não fazer, torna-se impossível o cumprimento da obrigação de não fazer e, por esse motivo, ela se extingue.
08. CLÁUSULA PENAL - CP
É a cláusula acessória a um contrato pelo qual as partes fixam previamente o valor das perdas e danos caso se verifique o inadimplemento culposo da obrigação (art. 408, do CC).
Sendo acessória ela não existe por si, devendo sempre estar acompanhada a um contrato principal, podendo, entretanto, ser nela estipulada ou em separado (art. 409, CC).
Não existindo a cláusula penal se a dívida não for paga no vencimento é o Juiz quem irá fixar a indenização devida, tornando a obrigação líquida.
Embora o art. 389, CC, estabeleça uma punição ao devedor inadimplente a cláusula penal reitera essa sanção, é uma forma de intimidar o devedor, que já fica sabendo que será penalizado se não cumprir a obrigação.
A expressão inexecução “culposa”, refere-se tanto à culpa em sentido amplo (lato sensu), que corresponde ao dolo (inexecução voluntária), quanto à culpa stricto sensu (em sentido restrito = imprudência e negligência).
Se um cantor não fez o show porque não quis (dolo) ou porque bebeu demais e perdeu a voz (imprudência), terá que pagar a CP.
Mas se o cantor não fez o show porque pegou uma gripe, trata-se de um caso fortuito que o isenta de responsabilidade (art. 393 e parágrafo único).
A CP geralmente é pactuada em dinheiro, e em favor do credor, mas o contrato pode prever que será paga a terceiros, assim como corresponder a uma obrigação de dar outra coisa, de fazer ou não-fazer algum serviço, com ampla liberdade para as partes.
8.1 Espécies
1. CP compensatória - aplica-se em caso de inexecução total ou parcial da obrigação pelo devedor. Quando ocorrer a inexecução total o credor poderá optar pela obrigação principal ou pela cláusula penal, como se fosse uma obrigação alternativa (art. 410, CC);
2. CP moratória - aplica-se em caso de atraso (mora) do devedor no cumprimento da obrigação, quando o devedor pagará a multa pelo atraso e ainda cumprirá a obrigação, (art. 411, CC).
O valor da CP não poderá exceder o da obrigação principal (art. 412, CC). Se a cláusula penal compensatória tiver um valor excessivo, o Juiz deverá reduzi-la (art. 413, CC).
Se o montante do prejuízo sofrido for maior que o valor estipulado na CP e se isso não estiver estipulado no contrato, o credor não poderá exigir indenização complementar. Caso esteja convencionada uma indenização complementar, a CP vale como mínimo da indenização, cabendo ao credor provar o prejuízo excedente.
CP na obrigação indivisível com mais de um devedor
Se apenas um deles incorrer na falta, todos os devedores serão penalizados. Contudo, o credor só poderá demandar integralmente do culpado, os demais responderão pela sua quota e poderão impetrar ação regressiva contra o culpado.
CP na obrigação divisível com mais de um devedor
Só responderá o devedor inadimplente ou seus herdeiros, proporcionalmente à sua parte na obrigação.
09. EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
Existem vários modos pelos quais as obrigações se extinguem:
1. POR PAGAMENTO – puro e simples
2. POR MEIOS INDIRETOS
a. Por consignação: CC. 334 a 345
b. Por sub-rogação: CC.346 a 351
c. Imputação do pagamento: CC. 352 a 355
d. Dação em pagamento: CC.356 a 359
e. Novação: CC. 360 a 367
f. Compensação: CC. 368 a 380
g. Transação: CC. 840 a 850
h. Compromisso: CC. 851 a 853; Lei 9.307/96
i. Confusão: CC. 381 a 384
j. Remissão da dívida: CC. 385 a 388
3. SEM PAGAMENTO
a. Prescrição
b. Caso Fortuito e Força Maior - pela impossibilidade de execução sem culpa do devedor
c. Advento de condição resolutiva ou de termo extintivo

1. Pagamento Puro e Simples
Está regulamentado no Código Civil, artigos 304 a 333.
É a principal forma de extinção das obrigações, ou seja, o seu adimplemento ou cumprimento. É um ato jurídico formal, unilateral, que corresponde à execução voluntária e exata por parte do devedor da prestação devida ao credor, no tempo, modo e lugar previstos no contrato ou na sentença que fez nascer a obrigação. Põe termo à relação jurídica, realizando o conteúdo do negócio jurídico. É a solutio.
O pagamento é formal, pois a prova do pagamento é o recibo, em direito chamado de quitação, e deve atender às formalidade do art. 320. É unilateral, pois é de iniciativa do devedor, que é o sujeito passivo da obrigação. É voluntário e exato, logo, caso o devedor só pague após ser judicialmente executado, ou pague coisa diferente da devida, tecnicamente isto não é pagamento, pois foi feito sob intervenção judicial.
Prestação, como vimos, é o objeto da obrigação. Pagar é cumprir esta prestação.
1.1 Elementos
O pagamento é composto de três elementos:
a) Sujeito ativo - é aquele que deve pagar (solvens).
b) Sujeito Passivo - é aquele a quem se deve pagar (accipiens).
c) Objeto - é o vínculo obrigacional que justifica o pagamento (dar, fazer ou não fazer).

a) Sujeito ativo – quem deve pagar
Se a obrigação é personalíssima somente o obrigado pode efetuar o pagamento. Não sendo personalíssima, qualquer um pode pagar, até os herdeiros.
Dos arts. 304 e 305 do Código Civil deduzimos cinco regras:
1. Pagamento por qualquer pessoa - a dívida pode ser paga por qualquer pessoa, tenha ou não ela legítimo interesse.
2. Irrelevância da vontade do credor - o pagamento pode ser feito mesmo contra a vontade do credor, basta que o terceiro se utilize dos meios próprios para tal, a exemplo da consignação em pagamento (art. 304, CC).
3. Terceiro interessado – quando efetua o pagamento sub-roga-se nos direitos do credor.
4. Terceiro não interessado quando efetua o pagamento em seu próprio nome - tem direito de reembolsar-se do que pagar, mas não se sub-roga nos direitos do credor. Como exemplo, se o credor era hipotecário, o terceiro tem o direito de reembolsar-se, porém sem os privilégios da hipoteca (art. 305, CC). Não há animus donandi. Quis apenas ajudar o devedor.
5. Terceiro não interessado quando efetua o pagamento em nome e por conta do devedor - não tem direito ao reembolso. Ocorre mera liberalidade por parte do terceiro. É a interpretação do artigo 305, a contrário senso. Na hipótese do pagamento ser realizado por terceiro não interessado, contra a vontade do devedor que tem justo motivo para que não seja feito, não terá ele direito a reembolso algum senão da quantia que possa ter ocasionado proveito ao devedor. Como exemplo, A é credor de B da importância de R$200.000,00, dívida vencida; C, ciente da dívida, comunica a B que vai resgatá-la, a fim de evitar uma ação judicial. B então informa que C não deve efetuar o pagamento, pois A também lhe é devedor e pretende realizar um acerto de contas que está em negociação. Mesmo assim, C efetua o pagamento integral. Ocorre que feito o acerto de contas B estaria obrigado a pagar apenas R$20.000,00 em razão disso B só estará obrigado a reembolsar C da importância de R$ 20.000,00.
Na realidade, pouco importa para o credor quem faça o pagamento, ele apenas quer receber o que lhe é devido, porém deve ser feito corretamente.
No pagamento com sub-rogação, a relação jurídica originária não se extingue, subsistindo o vínculo obrigacional entre o devedor e a pessoa que sub-roga, já que o sub-rogado assume o lugar do credor, satisfeito na obrigação.
Verifica-se que para evitar especulações ou constrangimentos, a lei trata diferente o terceiro que paga por interesse jurídico do terceiro que paga sem interesse jurídico, apenas por pena ou para humilhar.

b) Sujeito Passivo do Pagamento – para quem se paga
a. Credor - parte
b. Terceiro interessado
c. Terceiro alheio

O sujeito passivo (accipiens) é aquele que deve receber, ou a quem se deve pagar. Para Beviláqua, o credor é também o sucessor causa mortis ou inter vivos, a título particular ou singular.
O artigo 308 dispõe que o pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer se ratificado pelo credor ou se reverter em proveito dele. Logo, não havendo o correto pagamento ao credor ou seu representante, compete ao devedor provar que houve ratificação, ou seja, a confirmação, a comprovação do recebimento, ou que houve reversão em proveito do credor. Quem paga mal, paga duas vezes.
Nem sempre o pagamento efetuado ao credor é válido, a exemplo do pagamento ao menor que é impossibilitado de quitar. A própria lei prevê uma exceção (artigo 310 do CC) quando diz que o pagamento efetuado ao incapaz de quitar será válido quando reverter em seu benefício. O ônus da prova é do devedor desidioso. A regra geral visa proteger o incapaz, pois, se ele gastar o dinheiro em coisa supérflua, o devedor pagará novamente, porém se ele fizer bom uso do dinheiro, o pagamento é válido.
É importante frisar que o devedor deve saber que o menor é incapaz ou ter mecanismos para conhecer tal situação. Se o devedor for induzido em erro quanto à idade, erro escusável poderá anular o negócio jurídico e o pagamento prevalecerá. (art. 310 do CC)
O pagamento efetuado para terceiro, às vezes, quita, a exemplo do representante ou assistente que ratifica pagamento ao credor incapaz.
Pagamento feito de boa-fé ao credor putativo
Crédito penhorado (artigo 312 do Código Civil)
Se o devedor vier a ser intimado da penhora, feita sobre seu crédito por outras dívidas, não poderá utilizar o bem penhorado para pagar dívidas com terceiros.
O patrimônio do devedor responde por suas dívidas. Tal patrimônio contém bens corpóreos e incorpóreos (créditos). Tais bens devem estar desobstruídos para pagamento. Portanto, mesmo pagando ao credor real, se o bem estiver penhorado, tal pagamento será ineficaz.
Tanto a penhora quanto o embargo sobre a dívida retiram do credor o poder de receber. O devedor ciente da constrição, se efetuar o pagamento, apesar da penhora ou impugnação, se sujeita a fazê-lo duas vezes. A solução não prevalece sobre o exequente ou embargante. Cabe ação regressiva ao devedor, para devolver (repetir) o que transferiu.
Representante do credor
O pagamento pode ser feito ao representante do credor. O qual pode ser:
a. Legal: designado por lei (exemplo: pais, tutores e curadores).
b. Judicial: nomeado pelo juiz (exemplo: depositário judicial).
c. Convencional: advindo de contrato (exemplo: portadores de mandato).
Validade do pagamento a terceiro
Mandatário - o artigo 311 do Código Civil diz que o portador da quitação é mandatário do credor, presunção juris tantum de mandato. Considera-se, a priori, inadmissível que contra a vontade do credor um terceiro trouxesse consigo a quitação do crédito de que é titular. Contudo, a presunção não é incontestável e pode ser suprimida por prova em contrário, como exemplo, se o mandatário parecer vadio, a presunção será elidida.
Credor ratificado - é um gestor de negócios com eficácia ex tunc, isto é, reatroage até a realização do negócio e produz todos os efeitos do mandato (artigo 873 do Código Civil).
Pagamento aproveita ao credor - mesmo sem a ratificação por parte do credor ou do portador de mandato, caso o pagamento aproveite ao credor, ocorre a extinção da obrigação pela quitação, para evitar o enriquecimento indevido. É de quem paga o ônus de provar o benefício. Como exemplo, um cidadão paga o débito ao filho quando deveria pagar ao pai, mas o numerário é usado para tratamento médico do menor.
Pagamento ao credor putativo -“O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não era credor” (CC, art. 309).
Segundo Clóvis Beviláqua, credor putativo “é aquele que, aos olhos de todos passa pelo verdadeiro credor”.
É o caso, por exemplo, do pagamento realizado pelo locatário ao antigo locador, depois da venda do prédio locado. Provando o inquilino que ignorava a venda do imóvel, o pagamento é válido.
c) Objeto do pagamento
O Código traz 14 artigos referentes ao objeto do pagamento, embora a maioria deles trate da prova do pagamento.
O credor não está obrigado a receber outra coisa a não ser aquilo que foi acordado, ainda que a coisa seja de maior valor. “O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa”, diz o art. 313 do CC. O pagamento deve, pois, coincidir com a coisa devida e o devedor só se libera da obrigação quando pagar integralmente o débito.
O Brasil adotou o princípio do nominalismo em seu Código Civil, segundo o qual, nas obrigações em dinheiro, o devedor se libera pagando em moeda corrente e pelo valor nominal, conforme preceitua o artigo 315. Contudo, o artigo 316 determina que as partes possam convencionar aumento progressivo de prestações sucessivas.
O artigo 317 disciplina a teoria da imprevisão autorizando o juiz, a pedido da parte, a corrigir distorções em relações jurídicas de trato sucessivo.
PROVA DO PAGAMENTO
Art. 319. O devedor que paga, tem direito a quitação regular, e pode reter o pagamento, enquanto não lhe seja dada.
Entende-se que sem a quitação regular, não há prova de pagamento. Quitação é todo ato pelo qual o credor ou seu representante atesta o pagamento.
No pagamento em dinheiro, pode a quitação ser por instrumento particular, o qual designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante (CC, art. 320). Ressalva o parágrafo único do referido artigo, que mesmo não sendo obedecidos os requisitos nele estabelecidos a quitação será válida se resultar comprovado o pagamento.
Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.
Art. 324. A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento.
Parágrafo único. Ficará sem efeito a quitação assim operada se o credor provar, em sessenta dias, a falta de pagamento.
Como regra, as dívidas devem ser pagas no domicílio do devedor, ou seja, são quesíveis (quérable). Contudo as dívidas serão portáveis (portable), devendo ser pagas no domicílio do credor se:
a. as partes assim convencionarem, em contrato;
b. houver determinação legal;
c. assim estabelecer a natureza da obrigação ou as circunstâncias.

O pagamento feito reiteradamente em local diferente do previsto no contrato, faz presumir renuncia do credor ao local estabelecido.
Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações relativas a imóvel, far-se-á no local onde ele estiver situado.
Sem prejuízo para o credor, ocorrendo motivo grave que impossibilite o pagamento no local estabelecido, poderá o devedor fazê-lo em outro lugar.

O lugar do pagamento de acordo com as circunstâncias do negócio
Se um determinado serviço específico só pode ser executado num determinado local, consequentemente as circunstâncias do negócio indicam que o pagamento deverá ser feito no local da prestação do serviço.

O lugar do pagamento de acordo com a natureza da obrigação
Muitas vezes, a própria natureza do negócio, indica o lugar do pagamento. Como exemplo, se uma companhia construtora contrata com o governo do Estado a construção de uma estrada em determinado município, se não houver no contrato estabelecido o local de pagamento, este só poderá ser cumprido onde a estrada deve ser construída.

Quando a própria lei indicar o lugar do pagamento
Como exemplo, o artigo 54, § 2.º, da Lei Cambiária que diz: “Será pagável no domicílio do emitente a nota promissória que não indicar o lugar do pagamento”.

DO TEMPO DO PAGAMENTO
Fixada a data do pagamento, somente no dia seguinte ao vencimento é que a dívida se torna exigível, visto que o dia do vencimento pertence ao devedor até à meia noite. Somente este pode antecipar o pagamento. Mas, no mundo dos negócios, essa regra sofre exceção nos contratos. Por exemplo, se o lugar do pagamento for em um banco, o marco final do dia do vencimento é a hora do encerramento do expediente para o público.
Se não for fixada a data do pagamento, o credor poderá exigi-lo de imediato, exceto se houver disposição legal em sentido contrário.
As obrigações condicionais devem ser cumpridas na data do implemento da condição, cabendo ao credor a prova que desta teve ciência o devedor.
Havendo época certa para o vencimento, somente nesse momento é que a obrigação deve ser cumprida. Exceto se houver antecipação do vencimento:
a. por conveniência do devedor;
b. por força de lei.

Antecipação do vencimento por conveniência do devedor
Considerando que o prazo é estabelecido em favor do devedor este pode renunciá-lo, e efetuar antecipadamente o pagamento.

Antecipação do vencimento por determinação de lei
Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código:
I – no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;
II – se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor;
III - se cessarem, ou se se tornarem insuficientes as garantias do débito, fidejussórias ou reais, e se o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.
Parágrafo único. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes.

Garantia fidejussória, também chamada de garantia pessoal é a obrigação pessoal que alguém assume para garantir o cumprimento de obrigação alheia caso o devedor não o faça. Ex.: fiança, aval, caução, etc. No caso da caução, há 2 tipos: real e fidejussória. A '''real''' é aquela que se colocam bens determinados como garantia. A caução''' fidejussória''', se coloca todos os bens da pessoa à disposição, como sendo garantia.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Direito Penal - Parte Geral 2 - 3º período - UNEB - Aulas

DIREITO PENAL PARTE GERAL 2

Prof. Antonio de Pádua Santos Salgado


INFRAÇÃO PENAL

I. CONCEITO

A infração penal pode ser conceituada segundo três critérios distintos: formal, material e analítico.

CONCEITO FORMAL

É a violação da lei penal que está condicionada a uma sanção penal.

CONCEITO MATERIAL

É a conduta humana, que propositada ou descuidadamente, gera lesão ou perigo a um interesse penalmente protegido e relevante.

CONCEITO ANALÍTICO

  1. Teoria tripartida – fato típico, antijurídico e culpável.
  2. Teoria bipartida – fato típico e antijurídico. A culpabilidade não é elemento da conduta é apenas pressuposto da pena.

II. CLASSIFICAÇÃO DAS INFRAÇÕES

Adota-se a divisão bipartida.

  1. Crime ou delito;
  2. Contravenção.

A distinção é puramente formal, presente no art. 1º do Decreto-Lei 3.914/41. Crime ou delito é a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, isolada ou cumulativamente com a pena de multa. Contravenção é a infração penal a que a lei comina pena de prisão simples ou de multa, quer isoladamente, ou alternativa ou cumulativamente.

III. OBJETO DO CRIME

Jurídico – é o bem ou interesse protegido pela norma penal. Não há crime sem objeto jurídico, pois, em face do princípio da lesividade, não há crime sem lesão ou perigo de lesão a bem jurídico.

Material - É a coisa ou pessoa que é atingida pela ação delituosa, aquilo sobre o que recai a conduta. O sujeito passivo do delito pode se confundir com o seu objeto material, como no crime de lesões corporais. Existem infrações que não possuem objeto substancial, como o crime de ato obsceno e o de falso testemunho.

IV. SUJEITOS DO CRIME

É aquele que, direta ou indiretamente, realiza o fato descrito na norma penal incriminadora. Inclui-se o co-autor, o partícipe e o autor mediato.

Apesar da polêmica, pode-se afirmar que, em regra, pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo de crime, salvo nos casos de crime contra o meio ambiente (Lei 9.605/98), e permissivo constitucional, em que é cabível a punição da pessoa jurídica.

A lei usa de algumas terminologias para se referir ao sujeito ativo.

O Direito Material usa a expressão agente.

No inquérito policial é indiciado.

Quando da denuncia é denunciado.

Durante o processo é acusado ou réu.

Na sentença condenatória é sentenciado ou condenado.

Quando do cumprimento da sentença é preso, recluso ou detento.

Passivo - É o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado de lesão pelo comportamento criminoso. Há possibilidade de existirem dois ou mais sujeitos passivos em um mesmo crime.

Não podem ser sujeito passivo os animais e o ser humano morto, podendo ser seu objeto material. A pessoa jurídica, pode ser sujeito passivo de certos crimes, como furto, dano, difamação e de calúnia em face da Lei 9.605/98.

Há diferença entre sujeito passivo e prejudicado. Prejudicado é qualquer pessoa a quem o crime haja causado prejuízo, pecuniário ou não, podendo ser ressarcido. Sujeito passivo é o titular do bem jurídico violado, que também poderá ser ressarcido (há exceções).

V. FATO TÍPICO

É todo comportamento humano que produz um resultado previsto na lei penal como infração.

Elementos do fato típico:

  1. conduta – comissiva ou omissiva;
  2. resultado;
  3. nexo causal entre a conduta e o resultado;
  4. tipicidade.

CONDUTA

É toda ação ou omissão humana, voluntária e conscientemente voltada a uma finalidade.

A omissão é um não fazer, é uma abstenção de movimento. A ação é um fazer, é um comportamento positivo. A conduta é, portanto, a exteriorização de um pensamento por meio de uma ação ou uma omissão.

Não há crime sem conduta e não haverá conduta sem vontade.

São três as principais teorias para conceituar a conduta:

    1. Teoria causalista ou naturalista – é todo comportamento produzido por vontade humana que produz um modificação no mundo exterior. Não considera a intenção do agente, bastando apenas o nexo causal entre a conduta e o resultado. Para seus partidários o dolo e a culpa fazem parte da culpabilidade. Não consegue explicar de forma satisfatória os crimes omissivos, de mera conduta e tentados.
    2. Teoria finalista – é todo comportamento humano, consciente e voluntário, realizado com uma finalidade. O dolo e a culpa fazem parte da conduta. Admite o chamado elemento subjetivo do injusto isto é, a finalidade de realizar uma conduta contrária ao sentimento social de justiça.

Para combater as críticas referentes aos crimes culposos, cujo resultado é produzido de forma causal, Welzel seu principal idealizador, afirmou: “o conteúdo decisivo do injusto nos delitos culposos consiste, por isso, na divergência entre a ação realmente empreendida e a que deveria ter sido realizada em virtude do cuidado necessário”.

A teoria finalista é a adotada pelo Código Penal Brasileiro desde 1984. Consequentemente a conduta compõe-se dos seguintes elementos: vontade, finalidade, exteriorização e consciência.

Na ausência de qualquer desses elementos não haverá conduta, logo também não haverá fato típico nem crime. Como exemplo, não se pune a cogitação, o pensamento.

    1. Teoria social da ação - é a conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana. Há contudo uma grande dificuldade em se determinar o que seja relevância social da conduta.

Para seu idealizador Eb. Schmidt a ação é “uma conduta arbitrária para com o mundo social externo”.

O Direito não cria condutas, porém proíbe, obriga ou permite determinadas ações. A sua não observância, quando proibidas ou obrigadas, acarreta uma sanção. Logo, haverá conduta punível quando o Direito proibir (preceito de proibição) ou obrigar (preceito de comando) a sua realização e o sujeito, finalisticamente, não cumprir a determinação.

CRIMES OMISSIVOS

O Código Penal adotou para os crimes omissivos a teoria normativa, a norma determina o que deve ou não deve ser feito, o indivíduo ao desobedecer comete um ilícito.

Os crimes omissivos podem ser próprios e impróprios.

Crime omissivo próprio ou puro - ocorre quando não há dever jurídico de agir, o omitente responderá por sua própria conduta e não pelo resultado. Ex: art. 135, do CP – omissão de socorro;

Crime omissivo impróprio, espúrio, promíscuo ou comissivo por omissão – quando há o dever jurídico de agir e a sua omissão se equipara a uma ação de não fazer. O agente responde tanto pela omissão quanto pelo resultado produzido, exceto se não houver dolo ou culpa.

Como ocorre em todos os crimes de resultado, existe possibilidade de tentativa nos crimes comissivos por omissão. Como exemplo, um professor de natação que abandona seu aluno no meio da piscina, para que se afogue, o que é impedido pela intervenção de um outro nadador.

Dever jurídico de agir, espécies:

  1. Dever legal - ocorre quando a lei obriga o agente a ter o cuidado, a proteção ou a vigilância. Como o dever legal dos pais de cuidar dos filhos;
  2. Dever do garantidor quando embora não haja por lei qualquer obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, passa a existir em razão de um contrato ou de uma liberalidade. A exemplo de uma babá contratada para tomar conta de uma criança; do médico que presta serviço de urgência em um pronto socorro.
  3. Ingerência dentro da norma - ocorre quando o agente com seu comportamento anterior, criou o risco para a produção do resultado, devendo agir para impedí-lo. Exemplo: o causador involuntário de um incêndio; o instrutor de natação que induz o aprendiz a atravessar um rio, e este começa a se afogar.

Obrigatoriedade do dever jurídico de agir

De acordo com o art. 13, § 2º, do CP, o dever de agir há quando o agente:

  1. tem conhecimento da situação de fato;
  2. tem consciência da condição que o coloca na qualidade de garantidor;
  3. tem consciência de que pode executar a ação;
  4. tem a possibilidade real-física de executar a ação.

Omissão por culpa

Existe a possibilidade da omissão por culpa, crime culposo, quando ocorre:

  1. erro de apreciação da situação típica, a exemplo do pai que, ouvindo gritos do filho, não o socorre, pensando que se trata de uma brincadeira, quando o fato leva-o a morte;
  2. erro na execução da ação, a exemplo do agente que joga substância inflamável julgando ser água para apagar um incêndio;
  3. erro sobre a possibilidade de agir, a exemplo do agente que supõe ser impossível executar uma ação de salvamento, quando de fato existia a possibilidade, causando a morte da vítima.

A omissão não pode ser imputada ao acusado se o resultado ocorreria de qualquer forma, mesmo que ele agisse.

RESULTADO JURÍDICO

É a consequência jurídica do crime. Todo crime fere um bem jurídico, produzindo portanto um resultado jurídico. Há duas concepções acerca do resultado, uma normativa e outra naturalística.

O resultado normativo é o que ocorre quando há lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico protegido pela norma. Não há crime sem resultado até mesmo os formais e os de mera conduta.

Resultado naturalístico – é aquele que provoca uma modificação no mundo natural, no mundo concreto. Contudo, nem todo crime provoca um resultado naturalístico. De acordo com a existência ou não do resultado naturalístico, é possível classificar os crimes em três espécies: material, formal e de mera conduta.

Crimes materiais – são aqueles que somente se consumam com a produção do resultado naturalístico, ou seja, o resultado naturalístico integra o próprio tipo penal, sendo imprescindível para a consumação do crime. Ex.: homicídio, furto, sequestro.

Crimes formais - são aqueles cuja consumação não depende da ocorrência do resultado naturalístico, pois se consumam antes deste. Como exemplos, a ameaça (art. 147 do CP) e a extorsão mediante sequestro cujo resultado naturalístico visado é a vantagem econômica, no entanto, o crime se consuma no momento em que se sequestra a vítima, independentemente do recebimento ou não do dinheiro.

Crimes de mera conduta - o resultado naturalístico é impossível, ou seja, não existe, ocorrendo apenas com a ação ou omissão do agente. Como exemplos o crime de desobediência, e o de NEXO CAUSAL

Ocorre o nexo de causalidade entre uma conduta realizada e o resultado produzido, quando pode-se comprovar que o resultado é uma consequência incontestável da conduta.

Nexo causal - teorias

Teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine qua non – adotada pelo nosso Código Penal, prega que toda e qualquer causa que tenha contribuído, ainda que infimamente, para o resultado faz parte da cadeia causal, tornando-se necessário, também, fixar o nexo normativo, ou seja, deve haver dolo ou culpa.

Teoria da imputação objetiva - defende que para a existência do nexo causal, não basta a pessoa contribuir casualmente para o resultado é necessário que ele crie ou aumente uma condição de risco proibido relevante.

Critério para fixação do nexo causal

Critério da eliminação hipotética, ou seja, se o desaparecimento da causa fizer com que desapareça o resultado, significa que a causa provocou o resultado.

Concausa

A concausa é uma outra causa, que, relacionada à primeira, concorre para o resultado. Não se elimina a relação de causalidade pela existência de uma concausa, seja ela preexistente, concomitante ou superveniente.

Como foi adotada a teoria da conditio sine qua non, não há razão em se fazer diferenciação entre causa e concausa, pois, com a reforma penal de 1984, tudo o que acontecer para a produção do resultado será considerado causa.

Espécies de causa

  1. causa dependente - é aquela que é uma decorrência lógica da conduta, um encadeamento causal previsível e esperado, não rompem o nexo causal. A exemplo do agente que atira na vítima e ocorre a perfuração do tórax, o rompimento de artérias, a hemorragia interna, e a morte;
  2. causa independente - é aquela que surge de modo imprevisível, inesperado, pois se encontra fora da linha de desdobramento causal normal da conduta, produzindo o resultado.

2.1 absolutamente independente – é aquela que tem uma origem completamente diversa da conduta além de produzir sozinha o resultado, ou seja, ocorreria ainda que a conduta nunca tivesse sido praticada. Como exemplo, o agente planeja matar a vítima, e esta quando está passando é atropelada e morre;

2.2 relativamente independente – é aquela que surge, inesperadamente, logo após uma conduta e em razão dela, e produz o resultado. Ex: hemofílico é baleado e, embora a lesão não fosse fatal, morre de hemorragia por ser hemofílico.

As causas independentes podem ser:

  1. preexistentes – quando ocorrem antes da conduta;
  2. concomitantes - quando ocorrem ao mesmo tempo que a conduta;
  3. supervenientes - quando ocorrem após a conduta.

Consequências

  1. As causas absolutamente independentes rompem totalmente o nexo causal entre a conduta e o resultado. Conforme o art. 13 caput, somente é imputável quem der causa ao resultado, logo, a conduta não sendo o motivo do resultado implica a exclusão da responsabilidade.
  2. Nas causas relativamente independentes preexistentes ou concomitantes o agente responde pelo resultado, pois ele contribuiu para que o resultado tivesse ocorrido. Aplica-se o art. 13, caput, do CP.
  3. Segundo o art. 13, § 1º, do CP, a superveniência de causa relativamente independente, exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

Verifica-se que existem dois tipos de superveniência causal:

a) a que, por si só, produziu o resultado – que exclui a imputação. Ex: a vítima baleada no pé é levada numa ambulância, que capota e ela morre no acidente.

b) a que, por si só, não produziu o resultado – não exclui a imputação. Ex: a vítima baleada é levada ao hospital onde, por falta de sangue, vem a falecer.

TIPICIDADE

Tipo é a descrição feita pela lei da conduta proibida, que corresponde a um fato criminoso. Ex: art. 121. Matar alguém.

Tipicidade é a perfeita adequação da conduta com o que está descrito no tipo, isto não ocorrendo diz-se que o fato é atípico não havendo crime.

Em regra, o fato típico é ilícito ou antijurídico, em razão da sua tipicidade. Contudo existem causas que justificam o fato, que embora típico, deixa de ser crime, por não ser antijurídico, como no caso de alguém praticar um fato típico em legítima defesa. Ex: o agente matou alguém que atirava nele tentando matá-lo

O tipo legal é composto de elementares e circunstâncias.

  1. elementar - é todo componente essencial do tipo sem o qual este desaparece ou se transforma em outra figura típica, estão sempre no caput do tipo incriminador, daí ele ser chamado de tipo fundamental. Existem, no entanto, algumas figuras típicas descritas em parágrafos; essas figuras, chamadas de figuras equiparadas, são as únicas exceções.
  2. circunstância – é tudo que não integra a essência do tipo penal, ou seja, se for retirado, o tipo não deixa de existir. As circunstâncias estão colocadas em parágrafos, são agravantes ou atenuantes, servindo para influir na pena. O crime será mais ou menos grave em decorrência da circunstância.

Espécies de Elemento

  1. elementos objetivos ou descritivos - são aqueles que se referem à materialidade do fato, cujo significado depende apenas da observação e não de qualquer interpretação. O primeiro elemento do tipo, o seu núcleo, é a ação indicada pelo verbo, como matar, suprimir, constranger. Seguem-se vários complementos e circunstâncias, referentes ao tempo, ao lugar, aos sujeitos, ao resultado, entre outros.
  2. subjetivos – são aqueles que se referem à finalidade especial do agente exigida pelo tipo penal. Corresponde às expressões “com a finalidade de”, “para o fim de” etc. Não deve ser confundido com o elemento subjetivo do injusto, que é a finalidade de realizar uma conduta ilícita e que é elemento da culpabilidade e não do tipo penal;
  3. elementos normativos – são aqueles que dependem de interpretação para se extrair o significado, ou seja, é necessário um juízo de valor sobre o elemento. São expressões como “dignidade”, “motivo fútil”, “sem justa causa”, elementos que trazem possibilidade de interpretações divergentes, oferecendo desta forma certo grau de insegurança, por isso são chamados de tipos anormais.

Existem duas espécies de elementos normativos:

a) elemento normativo jurídico - aquele que depende de interpretação jurídica, como as expressões “funcionário público”, “documento”;

b) elemento normativo extrajurídico ou moral - aquele que depende de interpretação não jurídica, como “dignidade”.

Se um tipo penal possui somente elementos objetivos, é chamado tipo normal, pois oferece segurança máxima ao cidadão, em razão de que qualquer aplicador da lei, o interpretará da mesma maneira.

Existem tipos com mais de um verbo, como os tipos mistos alternativos, a exemplo do art. 122 – induzir ou instigar; e os delitos complexos, a exemplo do art. 158 – constranger [...], mediante violência [...], a fazer, tolerar [...].

Funções do tipo

  1. de garantia – relaciona-se com o princípio da reserva legal;
  2. indiciária ou fundamentadora da ilicitude, o fato típico é antijurídico a não ser que se prove sua exclusão.
  3. função diferenciadora do erro – o desconhecimento de uma elementar do tipo constitui erro de tipo, excluindo o dolo (Cezar Bitencourt).

Formas de adequação típica

  1. de subordinação imediata: é o ajuste integral, perfeito entre a conduta e o tipo legal, sem que haja a necessidade de utilização de qualquer outra norma.
  2. de subordinação mediata ampliada ou por extensão - quando o fato exige para o seu perfeito enquadramento ao tipo penal o concurso de outra norma, é o que ocorre com a tentativa (art. 14, inc. II, CP) e o concurso de agentes (art. 29, CP), quando há necessidade de se combinar a norma contida na Parte Geral com o dispositivo da Parte Especial.

DOLO - Conceito

Três teorias são utilizadas para conceituar o dolo:

  1. Teoria da vontade - dolo é a realização consciente da conduta típica tendo a vontade de atingir o resultado.
  2. Teoria do assentimento ou da aceitação - dolo é a realização consciente da conduta típica aceitando os riscos de produzir o resultado. O agente não quer o resultado, mas não se importa se ele ocorrer.
  3. Teoria da representação ou da previsão - dolo é realização de uma conduta onde há a previsão do resultado ilícito como certo ou provável, não sendo necessário que o agente o queira.

O Código Penal adotou as teorias da vontade e do assentimento:

Art. 18. Diz-se o crime:

I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.

Elementos do tipo doloso

  1. ação voluntária e consciente;
  2. resultado voluntário ou consentido;
  3. consciência do nexo causal entre ação e resultado;
  4. consciência da ilicitude.

Possui, portanto, elementos cognitivos (consciência) e volitivos (vontade).

A teoria finalista deslocou a consciência da ilicitude para a culpabilidade e o dolo para o tipo, considerando que toda ação humana tem uma finalidade e como o dolo está na ação e ela está no tipo, o dolo está no tipo.

Espécies de Dolo

Alguns doutrinadores admitem apenas a existência do dolo direto e do dolo eventual, argumentando que outros tipos de dolo defendidos por alguns juristas, enquadram-se nessas duas espécies ou entre os elementos subjetivos do tipo.

Dolo direto ou imediato – ocorre quando o agente quer produzir o resultado ilícito e promove as ações necessárias à sua execução, é o dolo da teoria da vontade.

Dolo eventual – ocorre quando o agente não quer produzir diretamente o resultado, porém aceita-o como possível ou mesmo provável, assumindo o risco de produzi-lo.

Alguns doutrinadores admitem ainda as seguintes espécies de dolo:

Dolo natural – ocorre quando o agente simplesmente quer o resultado, não importando a sua consciência da ilicitude, não há necessidade de um juízo de valor.

Dolo indireto – ocorre quando o agente não quer produzir diretamente o resultado. Subdivide-se em:

  1. eventual - quando o agente aceita o risco de produzi-lo;
  2. alternativo - quando o agente quer produzir um ou outro resultado.

Dolo normativo – ocorre quando o agente tem consciência da ilicitude do ato. Depende de um juízo de valor, integra a culpabilidade e tem como elementos a vontade e a consciência da ilicitude (componente normativo).

Dolo genérico – ocorre quando o agente tem a vontade de realizar o verbo do tipo sem qualquer finalidade especial.

Dolo específico – ocorre quando o agente realiza o verbo do tipo com uma finalidade especial. Sempre que o tipo tiver um elemento subjetivo, haverá a necessidade do dolo específico.

Dolo de perigo – ocorre quando o agente tem a vontade de expor o bem a uma situação de perigo de dano, que pode ser concreto ou abstrato.

É concreto quando há a comprovação de exposição a uma real situação de perigo (ex.: crime do art. 132 do CP). É abstrato ou presumido, quando basta a prática da conduta para que a lei presuma o perigo (ex.: art. 10 da Lei de Armas de Fogo). Os Professores Damásio de Jesus e Luiz Flávio Gomes sustentam que os crimes de perigo abstrato não existem mais na ordem jurídica.

Dolo de dano – ocorre quando o agente tem a vontade de produzir uma efetiva lesão ao bem jurídico. Quase todos os crimes são de dolo de dano. Ex: furto, crimes contra a honra.

Dolo geral, erro sucessivo ou aberratio causae - ocorre quando o agente supondo já ter consumado o crime, continua com a sua atividade criminosa, e só então acontece a consumação. Como exemplo, “A” quer matar “B” e o envenena, supondo-o morto joga-o no rio e “B”, que não estava morto, acaba morrendo por afogamento. Pela irrelevância do erro responderá por homicídio doloso por envenenamento.

ELEMENTOS SUBJETIVOS ESPECIAIS DO TIPO

Os tipos penais possuem uma série de elementos subjetivos determinados pela finalidade especial do agente. É o fim especial da conduta que está inscrito no próprio tipo e condiciona ou fundamenta a ilicitude do fato, de forma autônoma e independente do dolo, daí serem chamados também de elementos subjetivos especiais do injusto.

Podem ser classificados em:

  1. delitos de intenção - as intenções especiais fazem parte da estrutura de certos tipos penais e requerem um agir com a finalidade de obter o resultado especificado. Ex: Art. 155. Subtrair “para si ou para outrem” coisa alheia móvel (grifo nosso). É oportuno salientar que um mesmo comportamento pode a depender da intenção do agente ser lícito ou ilícito. Um ginecologista quando toca a genitália feminina com fins terapêuticos sua conduta é lícita, porém se o faz com intenções voluptuosas é ilícitas;
  2. delitos de tendência – quando o agente desenvolve a ação com determinado ânimo ou tendência não expresso no tipo mas deduzível da natureza do delito, como o “propósito de ofender” (art. 138, p.ex.) e o “propósito de ultrajar” (art. 212);
  3. especiais motivos de agir – os motivos impulsionam a realização da conduta, a exemplo do motivo torpe, motivo fútil, motivo nobre, de relevante valor social ou moral;
  4. momentos especiais de ânimo (sem escrúpulos, sem consideração, satisfazer instinto sexual, inescrupulosamente).

CULPA

O tipo culposo é um tipo aberto, haja vista que, em regra, não há descrição da conduta, o legislador apenas a menciona, exigindo para a sua complementação, a realização de um juízo de valor que decorre da comparação da conduta realizada com a que seria ideal naquelas circunstâncias. Em razão disso, um crime só pode ser punido como culposo se houver expressa determinação na norma.

CRIME CULPOSO

Ocorre, conforme o art. 18, II, do CPP, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. É a conduta voluntária, comissiva ou omissiva, que produz um resultado ilícito, embora não desejado, porém previsível e que poderia perfeitamente ser evitado se o agente tivesse agido com a devida atenção e cuidado.

Dever objetivo de cuidado é aquele imposto a todos no sentido de agir com a cautela necessária a fim de evitar danos a bens jurídicos alheios.

Elementos do Fato Típico Culposo

São elementos do fato típico culposo:

  1. conduta inicial voluntária perigosa;
  2. inobservância do dever de cuidado;
  3. resultado naturalístico involuntário;
  4. nexo causal;
  5. previsibilidade objetiva, é a possibilidade de qualquer pessoa comum, de prudência mediana, prever que a sua conduta possa ocasionar um resultado involuntário porém lesivo;
  6. ausência de previsão, é não prever o previsível. Só haverá na culpa inconsciente, visto que na culpa consciente há previsão;
  7. tipicidade.

Modalidades de Culpa

  1. Imprudência é a prática de um ato perigoso, sem a cautela necessária. Decorre de uma conduta omissiva, o agente faz o que não deveria fazer. Ex: passar no farol fechado.
  2. Negligência é a prática de um ato sem a observância prévia dos cuidados exigidos em uma determinada situação, por preguiça. É a culpa típica de quem se omite, o agente não faz o que deveria fazer e ocorre sempre antes da ação. Ex.: não verificar os freios do automóvel antes de colocá-lo em movimento.
  3. Imperícia é a prática de um ato lesivo decorrente da falta de capacidade técnica, teórica ou prática no exercício de uma profissão, arte ou ofício. A falha portanto, é do agente. No caso de exercício de profissão, se, além de haver a incapacidade, não for observada uma regra técnica específica para o ato, haverá a imperícia qualificada.

A imperícia difere do erro profissional visto que este não decorre somente da imperícia, podendo decorrer também de imprudência ou negligência, ou ainda de uma falha da Ciência.

ITER CRIMINIS

É o conjunto de condutas realizadas pelo agente na realização de um delito. É o caminho do crime. Compreende as seguintes etapas:

  1. Fase interna, ocorre na mente do agente e compreende:
    1. cogitação – é quando ele tem a idéia de praticar o crime;
    2. deliberação – é o planejamento do crime;]
    3. resolução – é a decisão de praticar o crime;
  2. Fase externa
    1. atos declaratórios – é o momento, nem sempre ocorre, em que o agente declara o seu propósito abertamente. Embora a regra é a sua não punição, é possível tornar-se figura típica. Exemplo a ameaça (art. 147, CP).
    2. atos preparatórios – prática dos atos imprescindíveis à realização do crime;
    3. execução – quando o bem jurídico começa a ser atacado, tem início com o primeiro ato idôneo e inequívoco para a consumação do delito;
    4. consumação – quando os elementos constantes do tipo penal são realizados.

É importante a distinção entre atos preparatórios e o início da execução, atos executórios, haja vista que ocorrendo apenas atos preparatórios, em regra, a conduta é atípica (art. 31), embora existam os tipos penais especiais que criminalizam tais atos. Como exemplo os artigos 238, 239 e 291 do CP.

Critérios para a distinção entre atos preparatórios e atos executórios.

a) Critério material – ato executório é todo aquele que constitui ameaça ou ataque direto ao bem protegido pela lei penal;

b) Critério formal – ato executório é todo aquele que representa o início da realização da conduta núcleo do tipo. É a adotada pelo nosso CP.

CRIME CONSUMADO

É aquele em que foram realizados todos os elementos que compõem o que está descrito no tipo legal (art. 14, I, CP). Como exemplo, a consumação no homicídio ocorre com a morte da vítima.

Determinar o momento da consumação do crime é fundamental para se definir a competência territorial e o termo inicial da prescrição.

CRIME EXAURIDO

É aquele no qual o agente após atingir o resultado consumativo, continua a lesar o bem jurídico, fazendo com que a conduta continue a produzir efeitos no mundo concreto. O crime exaurido preenche os elementos constantes do tipo e os elementos não exigidos, porém possíveis de preencher. Nem sempre a consumação coincide com o exaurimento.

A consumação é uma etapa necessária constante de um tipo penal, e o exaurimento é uma fase ou etapa constante, mas não é elementar.

Todo crime exaurido é consumado, mas nem todo crime consumado é exaurido. Como exemplo a corrupção passiva, que se consuma com a solicitação da vantagem indevida e se exaure com o seu recebimento.

A consumação nas várias espécies de crimes

  1. materiais – com a produção do resultado naturalístico;
  2. culposos – com a produção do resultado naturalístico;
  3. de mera conduta – com a ação ou omissão delituosa;
  4. formais – com a simples atividade, independente do resultado;
  5. permanentes – o momento consumativo se perpetua no tempo;
  6. omissivos próprios – com a abstenção do comportamento devido;
  7. omissivos impróprios - com a produção do resultado naturalístico;
  8. qualificado pelo resultado – com a produção do resultado agravador;
  9. complexos – quando os crimes componentes estejam completamente realizados;
  10. habituais – com a reiteração de atos, pois cada um deles, isoladamente, é indiferente à lei penal. O momento consumativo é incerto, pois não se sabe quando a conduta se tornou um hábito, por essa razão, não cabe prisão em flagrante nesses crimes.

TENTATIVA

É o início da execução e a não consumação do crime, por circunstâncias alheias à vontade do agente ( art. 14, II, CP). O CP não faz, para cada delito, previsão da figura da tentativa apesar da grande maioria deles possibilitá-la. Como exemplo, não há previsão da tentativa no homicídio, que para sua caracterização, aplica-se a figura do tipo consumado (art. 121) com o disposto no art. 14, II, do CP.

Elementos

  1. início da execução;
  2. não consumação;
  3. interferência de circunstâncias alheias à vontade do agente.

Formas de tentativa

  1. perfeita, acabada ou crime falho - quando o agente pratica todos os atos de execução do crime, mas não o consuma por circunstâncias alheias à sua vontade;
  2. imperfeita – o agente não chega a praticar todos os atos de execução do crime, por circunstâncias alheias à sua vontade;
  3. branca ou incruenta – quando o agente realiza a conduta integralmente, sem, contudo, conseguir ferir a vítima. Pode ser: perfeita – quando, como exemplo, o agente atira e erra todos os tiros; imperfeita – quando, como exemplo, o agente erra o primeiro tiro e é desarmado em seguida;
  4. cruenta – quando o agente realiza a conduta integralmente, vindo apenas a lesionar a vítima. Pode ser: perfeita – quando, como exemplo, o agente dá todos os tiros para matar a vítima e apenas a lesiona; imperfeita – quando, como exemplo, o agente na tentativa de matar a vítima fere-a e, em seguida, é desarmado.

Na nossa lei, não há distinção quanto à pena abstratamente cominada no tipo, mas o juiz deve levar em consideração a espécie de tentativa no momento de dosar a pena. Além disso, a distinção entre os tipos de tentativa, oferece relevância no tema da desistência voluntária e arrependimento eficaz.

Infrações que não admitem tentativa

  1. os crimes culposos;
  2. os crimes preterdolosos, pois o evento de maior gravidade objetiva, não querido pelo agente, é punido a título de culpa;
  3. as contravenções (art. 4º da LCP);
  4. os crimes omissivos próprios, pois o indivíduo não realiza a conduta – e o delito se consuma; ou a realiza - e não se pode falar em crime;
  5. os crimes que se realizam por um único ato (unissubsistentes);
  6. delitos condicionados, os crimes que a lei pune somente quando ocorre o resultado, como a participação em suicídio (CP, art. 122);
  7. os crimes habituais;
  8. os crimes permanentes de forma exclusivamente omissiva. Ex: cárcere privado praticado por aquele que não liberta aquele que está em seu poder;
  9. no crime continuado só é admissível nos crimes que o compõem;
  10. crimes de atentado.

Aplicação da pena

Para a punição da tentativa há duas teorias:

  1. Teoria objetiva – a tentativa deve ser punida de uma forma mais branda que o crime consumado, porque objetivamente produziu um mal menor;
  2. Teoria subjetiva – a tentativa deve ser punida da mesma forma que o crime consumado, pois o que vale é a intenção do agente.

A teoria adotada no nosso CP é a objetiva, não se pune a intenção, mas a efetiva realização de todas as etapas do iter criminis.

O art. 14, parágrafo único, estabelece que a pena do crime tentado, salvo disposição em contrário, será a do consumado, reduzida de 1/3 a 2/3.

Como critério adota-se que quanto mais próximo o agente chegar da consumação, menor será a redução e vice-versa.

TENTATIVA ABANDONADA

Ocorre quando o agente pretendia produzir o resultado consumativo, mas acabou por mudar de idéia, vindo a impedi-lo por sua própria vontade.

Consequências - não configurando fato típico, o autor não responde pela tentativa, mas pelos atos até então praticados.

Elementos

  1. início da execução;
  2. não-consumação;
  3. interferência da vontade do próprio agente.

Espécies de tentativa abandonada

  1. Desistência voluntária – o agente interrompe voluntariamente a execução do crime, impedindo a sua consumação (art. 15). A lei fala art. 15, CP, em desistência voluntária, e não em desistência espontânea, isto é, o agente pode desistir atendendo a um pedido de terceiro. Ex: o agente efetua dois disparos na vítima, não a acerta e, podendo prosseguir atirando, desiste por vontade própria e atendendo ao conselho de um amigo.
  2. Arrependimento eficaz – o agente, após encerrar a execução do crime, impede a produção do resultado (art. 15). A lei fala em arrependimento eficaz, e não eficiente, logo, não basta o agente querer impedir o resultado, ele tem que efetivamente impedir sua produção. Ex: o agente descarrega sua arma na vítima, ferindo-a gravemente, arrepende-se, presta-lhe imediato socorro, impedindo a sua morte.

Distinção entre ato voluntário e ato espontâneo

Ato espontâneo ocorre quando a pessoa, por si só, toma a iniciativa. Ato voluntário ocorre quando a pessoa, incentivada por terceiros, toma a iniciativa.

TENTATIVA INIDÔNEA OU INADEQUADA

Também chamada de “quase crime” ou “crime impossível”, art. 17, CP, ocorre quando a consumação é, desde o início, impossível, tornando o fato atípico. O citado artigo diz que a impossibilidade da consumação pode ocorrer pela ineficácia absoluta do meio ou impropriedade absoluta do objeto.

A teoria utilizada no crime impossível é a Teoria Objetiva Temperada, ou seja, o agente não responde porque o bem jurídico não ficou exposto a perigo.

Meio – é o instrumento utilizado para a prática do crime.

Objeto – é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta criminosa.

É oportuno esclarecer que se a ineficácia for relativa haverá tentativa, se for absoluta haverá crime impossível.

1. Ineficácia absoluta do meio

O meio empregado jamais poderá levar à consumação do crime, ou seja, a sua ineficácia deve ser absoluta, e não relativa. Como exemplo, tentar cometer um homicídio com arma de brinquedo.

È oportuno salientar que essa ineficácia pode ser considerada para um crime e para outro não. Uma arma de brinquedo é ineficaz para o homicídio porém, pode ser eficaz para se cometer um roubo, quando utilizada para intimidar a vítima.

2 Impropriedade absoluta do objeto

A pessoa ou a coisa sobre a qual recai a conduta jamais poderia ser alvo do crime. Exemplo matar alguém que já está morto.

CRIME DE ENSAIO ou delito putativo por obra do agente provocador

Ocorre quando o agente provocador, em geral a polícia, prepara o ambiente de tal forma que, por mais que se esforce o executor não conseguirá completar a realização típica, inexistindo ofensividade ao bem jurídico. É o flagrante preparado ou provocado.

Com referência ao crime de ensaio o STF na Súmula 145, assim determina: “não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

ARREPENDIMENTO POSTERIOR

O arrependimento posterior só pode ocorrer até o recebimento da denúncia ou queixa, por ato voluntário, e após a reparação do dano (art. 16, CP).

Ocorre portanto após a consumação do crime e é causa obrigatória de redução de pena de 1/3 a 2/3.

Requisitos

  1. só cabe em crime cometido sem violência ou grave ameaça contra a pessoa. É cabível nos crimes culposos, visto que a violência de que a lei fala é a violência dolosa;
  2. após a reparação do dano ou restituição da coisa, que deve ser integral;
  3. deve ocorrer por ato voluntário do agente. Não há necessidade de ser ato espontâneo, podendo haver influência de terceira pessoa.
  4. 4. só pode ocorrer até o recebimento da denúncia ou queixa.

De uma forma geral, se a reparação do dano ocorrer após a denúncia ou queixa, será somente atenuante genérica prevista no art. 65, III, do CP. Contudo, em alguns crimes as consequências são diferentes, como veremos adiante

Critérios para Aplicação da Redução da Pena

São dois os critérios para se aplicar a redução da pena, de 1/3 a 2/3, a espontaneidade e a celeridade. Assim, se o arrependimento posterior for espontâneo, embora possa ser apenas voluntário, a pena será diminuída e também, quanto mais rápida for a reparação do dano, maior será a diminuição.

Casos em que o sujeito Repara o Dano e não ocorre a Diminuição da Pena, mas a Extinção da Punibilidade

  1. Cheque sem fundos - com o pagamento, Súmula 554 do STF).
  2. Crime contra a ordem tributária - pagando-se a dívida, antes da denúncia ou queixa.
  3. Peculato culposo – com a reparação do dano anterior à sentença irrecorrível (art. 312, § 3º, CP). Porém, se posterior a ela é causa de diminuição da pena em ½;

Nos Juizados Especiais Criminais, nos crime de ação penal privada ou pública condicionada à representação – com a reparação do dano, art. 74, parágrafo único da Lei n. 9.099/95.

ILICITUDE ou antijuridicidade

De uma forma geral, todo fato típico é também ilícito, se não estiver presente nenhuma causa de exclusão da antijuridicidade. Logo, o fato típico cria uma presunção de ilicitude até prova em contrário.

A ilicitude é a relação de desconformidade entre a conduta e a norma de proibição. Se o tipo penal descreve a violação de um bem jurídico, a antijuridicidade vai representar uma valoração a esta violação.

Os tipos descrevem formas de condutas que, quando praticadas, amoldam-se a ele, consequentemente, neste sentido, não seriam antijurídicas porque previstas por ele. Welzel ensina que toda conduta típica é também antinormativa, mas pode não ser antijurídica, pois, no ordenamento, existem também preceitos permissivos.

A ilicitude pode ser:

  1. formal - é o fato típico não acobertado pelas causas de exclusão da ilicitude;
  2. material é toda conduta humana que contraria a norma e causa uma lesão ou um perigo concreto de lesão ao bem jurídico por ela protegido. A conduta não somente está contrária à lei, mas também contraria o sentimento de justiça da sociedade (é injusta). Para o Direito Penal, só é válido este conceito;

TEORIAS SOBRE O CARÁTER DA ILICITUDE

  1. subjetiva - o fato só é ilícito se o agente tiver capacidade de avaliar seu caráter criminoso, Para essa teoria, inimputável não comete fato ilícito;
  2. objetiva – a ilicitude independe da capacidade de avaliação do agente. O nosso sistema adota a teoria objetiva porque o inimputável comete fato ilícito, contudo não responde porque não tem culpabilidade.

CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE

São duas as classificações das causas de exclusão da ilicitude, causas justificantes ou descriminantes:

  1. causas legais: são as quatro previstas em lei (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito);
  2. causas supralegais: são aquelas não previstas em lei, mas que excluem a ilicitude (ex.: colocação de piercing, não se trata de crime de lesão corporal, pois a conduta é aceita pela sociedade).

Causas legais de exclusão da ilicitude

1. Estado de Necessidade

O estado de necessidade é uma causa de exclusão de ilicitude, encontra-se tipificado no art. 24 do CP. Consiste em uma conduta lesiva praticada para afastar uma situação de perigo, mas não é qualquer situação de perigo que admite a conduta lesiva e não é qualquer conduta lesiva que pode ser praticada na situação de perigo.

Característica essencial

No estado de necessidade, um bem jurídico é sacrificado para salvar outro ameaçado por situação de perigo (ex.: naufrágio).

Teorias

Teoria unitária - o estado de necessidade sempre exclui a antijuridicidade. Essa teoria foi acolhida pelo CP.

Teoria diferenciada (Direito Penal alemão): faz uma diferenciação quando os bens jurídicos são desiguais, há exclusão da antijuridicidade, e tem-se estado de necessidade justificante; quando os bens jurídicos são iguais, há exclusão apenas da culpabilidade, tem-se, neste caso, estado de necessidade exculpante.

Requisitos

  1. O perigo deve ser atual ou iminente, ou seja, deve estar acontecendo naquele momento ou prestes a acontecer. Quando, portanto, o perigo for remoto ou futuro, não há o estado de necessidade.
  2. O perigo deve ameaçar um direito próprio ou um direito alheio. Necessário se faz que o bem esteja protegido pelo ordenamento jurídico. No caso de situação de perigo a bem de terceiro, não há necessidade da autorização deste.
  3. O perigo não pode ter sido criado voluntariamente. Quem dá causa a uma situação de perigo não pode invocar o estado de necessidade para afastá-la. Aquele que provocou o perigo com dolo não age com estado de necessidade porque tem o dever jurídico de impedir o resultado. Mas, se o perigo foi provocado culposamente, o agente pode se valer do estado de necessidade.
  4. Quem possui o dever legal de enfrentar o perigo não pode invocar o estado de necessidade, deve afastar a situação de perigo sem lesar qualquer outro bem jurídico.
  5. Inevitabilidade do comportamento lesivo, ou seja, somente deverá ser sacrificado um bem se não houver outra maneira de afastar a situação de perigo.
  6. . É necessário existir proporcionalidade entre a gravidade do perigo que ameaça o bem jurídico do agente ou alheio e a gravidade da lesão causada. Analisa-se a razoabilidade do sacrifício, ou seja, se o sacrifício for razoável, haverá estado de necessidade, exclui-se a ilicitude. Se houver desproporcionalidade, afasta-se o estado de necessidade, e o réu terá direito à redução da pena de 1/3 a 2/3 (art. 24, § 2.º, CP).

Requisito subjetivo: os finalistas colocam mais um requisito do estado de necessidade, o conhecimento da situação justificante. Se não houver esse conhecimento, o agente não terá direito a invocar o estado de necessidade. Para os clássicos, esse conhecimento é irrelevante.

Espécies

Próprio ou de terceiro: é próprio quando há o sacrifício de um bem jurídico para salvar outro que é do próprio agente. É de terceiro quando o sacrifício visa à salvar bem jurídico de terceiro.

Real ou putativo: é real quando se verificam todos os requisitos da situação de necessidade. É putativo quando não subsistem, de fato, todos os requisitos legais da situação de necessidade, mas o agente os julga presentes.

Defensivo ou agressivo: é defensivo quando há o sacrifício de bem jurídico da própria pessoa que criou a situação de perigo. É agressivo quando há o sacrifício de bem jurídico de terceira pessoa inocente.

2. Legítima Defesa

Requisitos

Agressão: é todo ataque praticado por pessoa humana. Se o ataque é comandado por animais irracionais, não há legítima defesa e sim estado de necessidade. A agressão pode ser ativa ou passiva:

ativa: quando o sujeito ataca injustificadamente;

passiva: quando o ato de agredir é uma omissão, é preciso que o agressor omitente esteja obrigado a atuar (ex.: carcereiro que, mesmo com alvará de soltura, não liberta o preso).

Injusta: no sentido de ilícita, ou seja, só cabe legítima defesa contra agressão não acobertada por causa de exclusão da ilicitude.

Atual ou iminente: atual é a agressão que está acontecendo e iminente é a que está prestes a acontecer. Não cabe legítima defesa contra agressão passada ou futura nem quando há promessa de agressão.

A direito próprio ou de terceiro: há legítima defesa própria quando o sujeito está se defendendo e legítima defesa alheia quando defende terceiro. Pode-se alegar legítima defesa alheia mesmo agredindo o próprio terceiro (ex.: em caso de suicídio, pode-se agredir o terceiro para salvá-lo).

Meio necessário: é o meio menos lesivo colocado à disposição do agente no momento da agressão.

Moderação: é o emprego do meio necessário dentro dos limites para conter a agressão. Somente quando ficar evidente a intenção de agredir e não a de se defender, caracterizar-se-á o excesso.

Excesso é uma intensificação desnecessária, ou seja, quando se utiliza um meio que não é necessário ou quando se utiliza meio necessário sem moderação.

Se o excesso for doloso, não caracteriza a legítima defesa. O excesso é culposo quando há intensificação por imprudência. Caso não se caracterize nem o dolo nem a culpa do excesso, verifica-se a legítima defesa subjetiva.

Espécies

  1. Legítima defesa putativa: é a legítima defesa imaginária. É aquela erroneamente suposta.
  2. Legítima defesa subjetiva: é o excesso cometido por um erro plenamente justificável.
  3. Legítima defesa sucessiva: é a repulsa contra o excesso.

Hipóteses de cabimento

Cabe legítima defesa real contra legítima defesa putativa.

Cabe legítima defesa putativa contra legítima defesa real (ex.: “A” é o agressor, “B” é a vítima. “A” começa a agredir “B” e este começa a se defender. “C” não sabe quem começou a briga e age em legítima defesa de “A”, agredindo “B”).

Cabe legítima defesa putativa contra legítima defesa putativa.

Cabe legítima defesa real contra agressão culposa.

Cabe legítima defesa real contra agressão de inimputável.

Ofendículos e defesa mecânica predisposta

Ofendículos são aparatos visíveis destinados à defesa da propriedade ou de qualquer outro bem jurídico. O que os caracteriza é a visibilidade, devendo ser detectados por qualquer pessoa (ex.: lança no portão da casa, caco de vidro no muro etc.).

Existem duas posições sobre o que o uso de ofendículos deveria caracterizar (natureza jurídica):

a) legítima defesa preordenada, visto que só atuará no momento em que ocorre a efetiva agressão;

b) exercício regular do direito.

Defesa mecânica predisposta - é o aparato destinado à defesa da propriedade ou de qualquer outro bem jurídico, no entanto estão ocultos. Excepcionalmente caracterizará exercício regular do direito. Em regra, o sujeito que se utiliza de defesa mecânica preordenada responde pelo crime.

3. Estrito Cumprimento do Dever Legal

É o dever emanado da lei ou de respectivo regulamento. O dever que se cumpre é aquele dirigido a todos os agentes. Quando há ordem específica a um agente, não há o estrito cumprimento do dever legal, mas obediência hierárquica (estudada na culpabilidade). O agente atua em cumprimento de um dever imposto genericamente, de forma abstrata e impessoal.

Se houver abuso no cumprimento da ordem, não há a excludente, o cumprimento deve ser estrito, limitado aos ditames legais.

É possível haver estrito cumprimento do dever legal putativo, ou seja, o sujeito pensa que está agindo no estrito cumprimento do dever legal, mas não está.

Necessário se faz ainda o requisito subjetivo, a consciência de que se cumpre um dever legal, do contrário, há um ilícito.

4. Exercício Regular do Direito

O exercício de um direito jamais pode configurar um fato ilícito. Eventualmente, se, a pretexto de exercer um direito, houver intuito de prejudicar terceiro, haverá crime. As provas apresentadas deverão evidenciar o intuito de prejudicar alguém.

Lesões esportivas

Pela doutrina tradicional, a violência desportiva é exercício regular do direito, desde que a violência seja praticada nos limites do esporte. Mesmo a violência que acarreta alguma lesão, se previsível para a prática do esporte, será exercício regular do direito (ex.: luta de boxe, poderá haver, inclusive, a morte de um dos lutadores).

Intervenções cirúrgicas

Amputações, extração de órgão etc. constituem exercício regular da profissão do médico. Se a intervenção for realizada em caso de emergência por alguém que não é médico, será considerada estado de necessidade.

Consentimento do ofendido

O consentimento do ofendido exclui o fato típico, quando a discordância da vítima for elemento do tipo (ex.: art. 150, CP, violação de domicílio, exige o dissentimento da vítima, porque se esta concorda com a permanência do agente em sua casa, na há falar em crime).

Requisitos para exclusão da tipicidade:

  1. ser o bem jurídico disponível;
  2. capacidade da vítima em poder dispor do bem;
  3. ser o consentimento dado antes ou durante o fato;
  4. a consciência do agente de que houve consentimento.

Quando a discordância não for elemento do tipo, entra como causa de exclusão da ilicitude (art. 163, CP, crime de dano). E os requisitos são:

a) disponibilidade do bem;

b) capacidade da vítima em poder dele dispor.

O consentimento é causa supralegal de exclusão da antijuridicidade (porque não está previsto em lei).

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