INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO – 1ª parte
Prof. Antonio de Pádua Santos Salgado
CONCEITO
É um sistema de conhecimentos que objetiva dar uma noção global da ciência que trata do fenômeno jurídico, propiciando uma compreensão dos conceitos jurídicos comuns a todos os ramos do direito e introduzindo o estudante e o jurista na terminologia técnico-jurídica.
2. CARÁTER PROPEDÊUTICO
Método propedêutico é o método que serve de introdução; que prepara ou habilita para servir ao ensino mais completo.
A IED é uma matéria essencialmente propedêutica ao ensino dos vários ramos jurídicos, por conter conhecimentos científicos, abrangendo, além dos aspectos jurídicos, também os sociológicos, históricos e filosóficos, necessários ao estudo da ciência jurídica.
2.1 - O vocábulo epistemologia advém do grego episténie que significa ciência e logos, estudo. É o estudo das ciências, no que cada uma, e o seu conjunto, tem por objeto apreciar. É sinônimo de gnoseologia, parte da filosofia que estuda crítica e reflexivamente a origem, a natureza, o alcance, os limites e o valor do conhecimento e os critérios que condicionam a sua validade e possibilidade. É a teoria do conhecimento.
2.2 - Epistemologia jurídica é a teoria da ciência do direito, um estudo sistemático dos pressupostos, objeto, método, natureza e validade do conhecimento jurídico-científico, verificando suas relações com as demais ciências, ou seja, sua situação no quadro geral do conhecimento.
2.3 - A introdução à ciência do direito não é ciência, por faltar-lhe unidade de objeto, mas é uma disciplina epistemológica jurídica, pois objetiva:
- dar uma visão sintética da ciência jurídica;
- definir e delimitar, com precisão, os conceitos jurídicos fundamentais, que serão utilizados pelo jurista na elaboração da ciência jurídica;
- apresentar, de modo sintético, as escolas científico-jurídicas.
CONCEITOS IMPORTANTES
- DIALÉTICA – poder de argumentação.
- RETÓRICA – poder de persuasão pela oratória.
- HERMENÊUTICA - é um ramo da filosofia que trata da compreensão humana e da interpretação de textos escritos.
- HERMENÊUTICA JURÍDICA – é a ciência da interpretação de textos da lei, com o objetivo de determinar o sentido e o alcance das normas jurídicas.
- DOGMA - cada um dos pontos fundamentais e indiscutíveis de uma doutrina religiosa ou filosófica. A dogmática, que significa doutrinar, ensinar, está presa a conceitos fixados desenvolvendo interpretações para confirmá-los.
- AXIOLOGIA - teoria dos valores filosóficos, especialmente dos valores morais. É o ramo da filosofia que estuda os valores.
- ONTOLOGIA - é a parte da filosofia que trata da natureza do ser, trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres.
- DEONTOLOGIA - ramo da ética cujo objeto de estudo são os fundamentos do dever e as normas morais. É o estudo dos princípios e da moral.
- PARADIGMA – modelo, padrão. Conjunto de crenças e conceitos em que se baseiam as atitudes e comportamentos de um grupo social.
- TEOLOGIA – estudo ou tratado das questões religiosas relativas à divindade e à sua relação aos homens.
- TELEOLOGIA – estudo da finalidade.
DIREITO NATURAL
Não é escrito, não é criado pela sociedade, nem é formulado pelo Estado. É um direito espontâneo, que se origina da própria natureza social do homem e que é revelado pela sua análise utilizando-se a experiência e a razão, decorre da simples observação de fatos concretos que envolvem o homem. Admite que todo ser é dotado de uma natureza e de um fim. È a natureza do ser que define o fim que este tende a realizar. É constituído por um conjunto de princípios, e não de regras, considerados de caráter universal, eterno e imutável.
DIREITO POSITIVO - são normas de conduta escritas (legisladas) ou não escritas, provenientes do costume (direito costumeiro ou consuetudinário), que estando em vigor (direito vigente) ou tendo vigorado em certa época (direito histórico), disciplinam ou disciplinaram o interrelacionamento humano. É o direito institucionalizado pelo Estado.
JUSNATURALISMO OU NATURALISMO JURÍDICO
Inicialmente os jusnaturalistas, corrente de juristas-filósofos, defendiam o direito natural de concepção teológica. A partir do século XVII, surge o jusnaturalismo de tipo objetivo e formal, a partir de uma hipótese lógica sobre o estado natural do homem, se deduzem racionalmente todas as consequências. Concebe o direito dualisticamente, ou seja, composto pelo direito natural e direito positivo, defendendo a superioridade do direito natural sobre o direito positivo.
Os jusnaturalistas defendem que o legislador deve ser ao mesmo tempo, um observador dos fatos sociais e um analista da natureza humana, para que as leis atinjam a realização da Justiça. Para eles, a dissociação entre o Direito Positivo e o Natural cria leis injustas, que negam ao homem o que lhe é devido.
Como consequência da fase racionalista do direito natural surge a Escola do Direito Natural, tendo como seus principais defensores Grócio, Hobbes, Rousseau e Kant, cuja doutrina apresentava como princípios básicos: a natureza humana como fundamento do Direito; o estado de natureza como suposto racional para explicar a sociedade; o contrato social e os direitos naturais inatos.Para seus partidários, os homens viviam em um estado de natureza, sendo totalmente livres em suas ações e iguais em poder, contudo esta liberdade se encontrava limitada pela lei da natureza, esta contida na razão. Neste estado de natureza, a execução da lei, o poder de coerção, se encontrava nas mãos de todos os homens, de forma que, ao ser prejudicado em seus direitos, cada qual poderia buscar a reparação por conta própria.
Immanuel Kant (1724 – 1804) introduziu então uma distinção entre o direito natural ou direito privado e o direito civil ou direito público e estabeleceu o jusnaturalismo contratualista, pregando que a fim de assegurar o exercício de suas liberdades e a manutenção de suas propriedades, os homens deveriam abandonar a liberdade e a igualdade do estado de natureza e se unir através de um contrato social, transferindo ao Estado o poder de executar as leis afirmadas pelo direito natural.A forma pela qual um povo sai do estado de natureza e forma um Estado é chamada de contrato originário. Segundo Kant, no Estado os homens poderiam então gozar plenamente de sua liberdade natural ao condicioná-la às leis criadas pela sua própria vontade. O direito, para Kant, busca promover o exercício máximo das liberdades individuais, impondo limites à liberdade de um somente a partir do momento em que esta agrida o exercício da liberdade de outro.
A Escola pretendeu formar códigos de Direito Natural e o concebeu como eterno, imutável e universal, tanto nos princípios como igualmente em sua aplicação prática, cometendo excessos que foram responsáveis pela queda do Direito Natural.
O jusnaturalismo atual concebe o Direito Natural apenas como um conjunto de amplos princípios, como o direito à vida, à liberdade, entre outros, a partir dos quais o legislador deverá elaborar as normas.
POSITIVISMO JURÍDICO - JUSPOSITIVISMO
Ignora o direito natural, admitindo apenas uma forma de direito, o direito positivo, como o único vigente e eficaz em determinada sociedade, por isso é uma concepção monista. Limita-se ao conhecimento científico-jurídico das legislações positivas num determinado lugar e tempo. Despreza os juízos de valor, admitindo apenas os juízos de constatação ou de realidade, os fenômenos observáveis.
Para o positivismo jurídico só existe a ordem jurídica determinada pelo Estado e que é soberana, e o objeto da Ciência do Direito é estudar as normas que as compõem. O positivismo jurídico atingiu o seu ápice no início do século XX e hoje está em franca decadência por não satisfazer às exigências sociais de justiça.
POSITIVISMO SOCIOLÓGICO
O positivismo sociológico adveio da teoria de Augusto Comte, que pretendeu realizar por meio da ciência uma reforma social, afirmando que a única ciência capaz de reformar a sociedade é a sociologia ou física social, que era a ciência positiva dos fatos sociais. Postulava que todos os fenômenos vitais devem ser, na sua concepção, explicados por suas causas sociológicas.
Émile Durkheim sucessor de Comte, negava o direito natural (filosofia moral) e pregava o positivismo baseado na evolução dos costumes sociais.
Para Léon Duguit o direito positivo é um conjunto de normas sancionadoras exigidas pelo sentimento coletivo de solidariedade social. Rejeitava a teoria de Durkheim quando admitia ser o Estado o órgão superior, elaborando as normas decorrentes da vontade coletiva de justiça e igualdade.
SOCIOLOGISMO ECLÉTICO
No Brasil, influenciado fortemente pelo sociologismo francês, surgiu o sociologismo eclético, tendo como principais representantes Tobias Barreto, Clóvis Beviláquia e Pontes de Miranda.
Para o eminente jurista alagoano Pontes de Miranda “a ciência positiva do direito é a sistematização dos conhecimentos positivos das relações sociais, como função do desenvolvimento geral das intenções científicas em todos os ramos do saber..." Pontes de Miranda, afirmava também, “Não é com sentimento, ou com o duro raciocínio, que deve trabalhar o legislador e o cientista do direito. Deverá se ater aos fatos, ao que é concreto e raciocinar, objetivamente, a induzir, segundo rigoroso método científico”.
O sociologismo jurídico também é representado pela Escola Positiva de direito penal italiana, de orientação antroposociológica. Tinha como principais representantes, Cesar Lombroso, Enrique Ferri e Rafael Garofalo.
Para César Lombroso o crime tinha características genéticas e era uma manifestação da personalidade humana. Com estudos de antropologia, segundo ele, identificou e estabeleceu a figura do criminoso nato, cujas carcaterísiticas eram:
- Corporais - protuberância occipital, órbitas grandes, testa fugida, arcos superciliares excessivos, nariz torcido, lábios grossos, arcada dentária defeituosa, braços longos, orelhas grandes e separadas, polidactilia, face ampla e larga, etc.
- Psíquicas - insensibilidade a dor, tendência a tatuagem, cinismo, vaidade, crueldade, falta de senso moral, preguiça excessiva, impulsivo.
ESCOLA DA EXEGESE
No século XIX, surge a escola da exegese, que defendia a tese de que a função específica do jurista era ater-se com rigor absoluto ao texto legal e revelar seu sentido. Apesar de positivista, não negava o direito natural, pois chegou a admitir que os códigos elaborados de modo racional, eram expressão humana do direito natural, por isso o estudo do direito deveria reduzir-se a mera exegese dos códigos.
Para os exegistas, o código era considerado absoluto, com regras para qualquer problema social, consequentemente não apresentava lacunas e o Estado era o único autor do Direito, pois detinha o monopólio da lei e do código, não admitiam outra fonte normativa.
O declínio da Escola da Exegese ocorreu no final do século XIX quando a evolução da ciência jurídica superou os seus princípios, pois é natural que as mudanças sociais exijam reformas nas leis.
JUSNATURALISMO X POSITIVISMO
- A posição positivista extrema admite que as regras devem ser obedecidas porque são justas (obediência ativa). Já a posição jusnaturalista extrema admite que as leis devem ser obedecidas somente se forem justas, caso contrário devem ser desobedecidas (resistência).
- A posição positivista moderada admite que as leis devem ser obedecidas porque a legalidade garante certos valores específicos, tais como, ordem, paz, etc (obediência condicionada). Na concepção jusnaturalista moderada as leis podem ser injustas, porém devem ser obedecidas, salvo em casos extremos (obediência passiva).
- Ambos admitem a necessidade de realizar reformas, atualizações e evolução do direito a fim de que ele possa corresponder aos seus objetivos, resolver conflitos humanos. Os jusnaturalistas propõem que sejam feitas através da valoração e os positivistas através da interpretação.
TEORIA PURA DO DIREITO Hans Kelsen (1881 – 1973)
Na obra Teoria Pura do Direito, Hans Kelsen desqualificava o jusnaturalismo como teoria e dava caráter definitivo ao monismo jurídico estatal. Para Kelsen o raciocínio jurídico não deveria tratar do que é certo ou errado, do que é virtuoso ou vicioso, do que é bom ou mau, mas sim do que é lícito ou ilícito, do que é legal (constitucional) ou ilegal (inconstitucional), sobre o válido e o inválido. É a expressão máxima do estrito positivismo jurídico.
Segundo Kelsen, o direito positivo é o direito posto pela autoridade do legislador, dotado de validade, por obedecer a condições formais e pertencentes a um determinado sistema jurídico. Assim, é válida a ordem jurídica ainda que contrarie algum mandamento moral ou de justiça. Validade e justiça de uma norma jurídica são juízos de valor diversos, uma norma pode ser válida e justa, válida e injusta, inválida e justa, inválida e injusta.
O plano de Kelsen era atingir a autonomia da ciência jurídica, que passaria a ter suas próprias características e objeto, este deveria ser constituído em primeiro lugar pelas normas jurídicas (teoria estática) e indiretamente pela conduta humana regulada por elas (teoria dinâmica). É importante salientar que os atos da conduta humana que desencadeiam o movimento do Direito são eles próprios conteúdo de normas jurídicas, e só assim interessam para o estudo da ciência jurídica.
Kelsen procurou afastar a ciência do direito de quaisquer influências sociológicas, ideológicas, políticas, e dos aspectos valorativos, ou seja, de toda e qualquer investigação moral e política. Para ele, as razões pelas quais os homens cumprem ou não tais preceitos nada têm que ver com a ciência jurídica, pois esta já recebe a norma feita. Para ele, os resultados obtidos pela sociologia, filosofia, política, ética e religião, apenas são importantes para o legislador, que tem por missão estabelecer normas reguladoras do comportamento humano no seio de uma sociedade.
Admitia que a conduta normatizada é uma ordem destinada a regular a conduta humana que deve ser observada na preservação dos interesse comunitários. Se a conduta humana lesar esses interesses obrigatoriamente deve ser objeto de uma norma.
Para a noção de validade formal pregava que cada norma retira de outra que lhe é superior, na escala hierárquica do ordenamento jurídico, a sua existência e validade. No momento em que é criada ou aplicada (dinâmica), para que seja considerada válida a norma, é preciso verificar se as condições de sua produção ou aplicação estão previamente contidas nos comandos de outras normas já produzidas e integrantes do ordenamento jurídico (estática). O ponto final dessa cadeia de validade é o que Kelsen chama de norma fundamental, a Constituição, pressuposto lógico do sistema normativo.
Para uma perfeita compreensão da Teoria Pura do Direito, é necessário entender o significado de SER e DEVER SER.
O SER – o mundo físico é regido pelo princípio da causalidade, que se presta apenas à descrição isenta, imparcial, de como as coisas realmente são. O homem como ser dotado de livre arbítrio pode praticar as mais diversas condutas que estão na ordem do ser.
O DEVER SER – o mundo das normas é regido pelo princípio da imputação (responsabilização), que é a capacidade atribuída a alguém de ser responsabilizado. A norma é uma ordem que deve ser observada na preservação dos interesse comunitários.
A norma sendo um dever-ser, cuja elaboração é um ato de vontade, é dirigida a um ser. É a norma que atribui significação jurídica à conduta humana regulada, servindo de parâmetro para a interpretação específica e normativa desta conduta, como lícita ou ilícita, boa ou má.
Kelsen também distinguia a ciência jurídica do Direito, segundo ele:
A distinção revela-se no fato de que as proposições normativas formuladas pela ciência jurídica, que descrevem o Direito e que não atribuem a ninguém quaisquer deveres ou direitos, poderem ser verídicas ou inverídicas, ao passo que as normas de dever-ser, estabelecidas pela autoridade jurídica - e que atribuem deveres e direitos aos sujeitos jurídicos - não são verídicas ou inverídicas, mas válidas ou inválidas, tal como também os fatos da ordem do ser não são quer verídicos, quer inverídicos, mas apenas existem ou não existem, somente as afirmações sobre esses fatos podendo ser verídicas ou inverídicas.